24 novembro 2006

CULTURAS IN VITRO

Caro Gabriel, eis as minhas respostas, tendo em atenção que não sou especialista desta área e que dado o tamanho da resposta a preferi dar aqui:
1. Tem algum sentido, um museu, um arquivo, uma biblioteca, reclamarem ou exercerem direitos de autor, (copyright)? Não será contraditório com os objectivos dessas mesmas instituições?
Primeiro, há que distinguir direito de autor (europeu/português) e "copyright" (norte-americano) porque as leis que os regem são diferentes.
Em geral, "um museu, um arquivo, uma biblioteca" têm de proteger não o seu direito mas o das obras que, estas sim, podem estar protegidas pelo direito de autor.
Isso significa que tanto têm obras em que esse direito já não vigora como outras, mais recentes, cujo autor (por lei) está protegido.
Nesse sentido, não é contraditório com a protecção da obra que muitas dessas instituições são obrigadas ou querem fazer. Um exemplo pela negativa: uma obra electrónica recente (pode ser um blogue com conteúdos próprios), entregue para depósito legal na Biblioteca Nacional deve perder esse direito à protecção?
Ressalvo que não entro aqui na discussão de que muitas obras protegidas pelo direito de autor não servem mais do que a defesa para a protecção do investimentos de editores, produtores e distribuidores. O autor é o que menos recebe neste conluio.

2. De acordo com as regras ainda em vigor, pensadas para realidades analógicas, a utilização do código do youtube (ou outros), sem existir uma apropriação do ficheiro, não será a sua utilização (sem fins comerciais), uma simples citação?
O Gabriel sabe que mantenho o Videosaver precisamente nessa base, tal como a maioria dos textos neste Contrafactos é de citação (não usurpação nem, na sua grande maioria, transcrição total) porque entendo precisamente que ao fazê-lo estou a dirigir leitores para a obra original.
Isto parece legítimo, quase uma benesse no sentido de partilha de conhecimento, e quase ninguém se queixa desta prática. Nunca tive uma queixa excepto - é paralelo mas apenas para exemplificar como as coisas que vemos de um lado positivo podem ter outros menos bons - um caso há uns anos em que o autor legítimo se queixou de que ao usar o seu conteúdo eu lhe estava a ocupar largura de banda que ele tinha de pagar ao ISP. Ele tinha razão, eu é que não sabia.
Ora a citação, para mim, não é a transcrição completa da obra mas neste caso dos serviços de vídeo, são eles próprios que cedem o código para a sua inserção e visualização nos próprios blogues/"sites". Ganham não pela obra mas pela notoriedade do seu logótipo. É um negócio.
Mas, pelo seu tipo de actividade, eles são também obrigados, cada vez mais, a retirar obras protegidas quando os detentores dos direitos se queixam.
A "citação" que é a transcrição integral de uma obra protegida deixa assim de fazer sentido. Pense num filme recente: por estar no YouTube, podemos divulgá-lo nos nossos blogues? Sim, podemos, mas não sabemos realmente o que estamos a fazer?
Em paralelo, discordo que a realidade analógica ou digital tenha de ser diferente. A lei é a mesma: cópia não autorizada é cópia não autorizada, ilegal é ilegal.

3. Nos casos que tem ocorrido de algum êxito por parte de detentores de direitos de autor contra utilizações/reprodução de cópias digitais não autorizadas, não será que tal resultou apenas da ameaça de processos judiciais com custas milionárias e não tanto da existência de verdadeira razões jurídicas? Ou seja, são actualmente protegidas ou fará sentido proteger nos mesmos termos e com as mesmas restrições do sistema analógico as obras em formato digital?
Discordo. Apesar do dinheiro por trás de muitas acções, dificilmente elas serão ganhas se a lei não as proteger. Por isso o importante é estar atento à aprovação das leis...
Retomando a divisão analógico/digital, devolvo a pergunta pela negativa: "fará sentido [não] proteger nos mesmos termos e com as mesmas restrições do sistema analógico as obras em formato digital?"
A questão talvez possa ser outra: faz sentido proteger tanto tempo uma obra nos dias actuais? Para mim, não. Para a Disney, que obrigou a alargar o "copyright" quando os direitos sobre o Rato Mickey iam cair em domínio público, sim, tal como a indústria discográfica britânica o quer fazer agora, passando de 50 para 95 anos essa protecção (ver "this is so depressing", em http://www.lessig.org/blog/archives/003588.shtml, ou o recente "EMI chief makes final plea to have copyright extended", em http://business.timesonline.co.uk/article/0,,9071-2466670,00.html)

4. Existe alguma razoabilidade em limitar a reprodução de obras em formato digital sem fins lucrativos? (isto, é desde que quem reproduz não se aproprie da autoria?).
Não mas isso está previsto na lei, tanto para obras digitais como outras (tem a ver com fins científicos, artísticos e educativos, entre outros).
Por exemplo, no campo do "copyright", houve uma decisão esta semana sobre esse assunto (ver "U.S. Copyright Office issues new rights", em http://news.yahoo.com/s/ap/20061123/ap_on_hi_te/digital_copyright).

Duas últimas notas:
1) a apresentação do vídeo Zapruder no Blasfémias foi uma belíssima recordação de uma efeméride. O meu texto teve a ver com um caso, de que me lembrava de há uns anos, de como uma entidade fica com os direitos de algo que lhe foi doado e pode explorar comercialmente, e que estava - parece... - ilegalmente no YouTube. Tendo em conta o seu grau de interesse, deve este tipo de obras estar protegido por direito de autor? Infelizmente, é a lei.

2) muitos dos comentários no Blasfémias ocuparam-se a debater patentes e ideias. Daquilo que conheço, as patentes são um outro assunto que pouco têm a ver com o direito de autor/"copyright". Quanto às ideias, em abstracto, elas não podem ser registadas: como é que o Gabriel ou eu registamos a ideia de um programa de TV sobre blogues? Temos de o descrever em detalhe e, só então, ele pode ser registado para ser defendido, legalmente, no futuro. Para proteger o nosso investimento intelectual e não aparecer alguém a dizer que é dele.