22 abril 2012

Onde pára a academia?

"Portugal conseguiu a massificação da educação, mas o nível de qualidade que existe nas escolas é baixo. As pessoas saídas das universidades não têm competitividade. Não há excelência. Não admira a elevada taxa de desemprego junto da população jovem".

A declaração é de Miguel Soares, um investigador que “notou, por outro lado, que continua a verificar-se a fraca ligação entre os pólos científicos e a indústria, o que faz com que exista uma maior dependência do financiamento do Estado, para além de limitar a aplicação de inovações científicas junto das empresas”.

O português formado no estrangeiro não fala de uma outra “fraca ligação” entre os pólos científicos e a sociedade mas falo eu.

A universidade em Portugal é muito curiosa, age por reacção. A generalização é enorme, tantas são as suas faculdades, departamentos, secções, professores, investigadores ou alunos. Preenchidos os lugares para esses locais de investigação, o silêncio é enorme. O que faz a nossa academia? Onde estão as teses defendidas? Porque estão ocultadas da sociedade e das empresas e mesmo de outras instituições académicas? Não havia uma lei que obrigava a que essas teses fossem disponibilizadas online quando originadas nas universidades públicas?

De tudo isto me lembrei pela indignação da Associação Portuguesa de Sociologia (APS) contra umas “declarações, genericamente sobre a irrelevância para a comunidade nacional das ciências sociais e sobre a qualidade da formação dos seus profissionais”.


Ficou-se a saber que os “sociólogos portugueses são sujeitos a uma avaliação científica rigorosa, atestada por índices de qualidade e de produtividade nacionais e internacionais, cuja independência não pode ser posta em causa pela presunção de quem quer que seja e muito menos em jeito de atoarda”.

Onde pára essa avaliação, onde está para todos a vermos? E que raio tem a independência a ver com qualidade e produtividade?...

A APS reconhece ainda que o discurso na televisão “insensível ao contributo das ciências sociais, até para a economia real, se generalizou a outras áreas de profissionalização. De repente, e alegadamente, o País deixou de precisar de pessoas qualificadas, sejam arquitectos, engenheiros, enfermeiros, biólogos, informáticos ou economistas, sociólogos, antropólogos ou historiadores, entre outros”.

É bom ver a APS preocupada com toda esta gente. Eu desconhecia a existência da APS mas é lacuna minha, não imputável aos restantes 10 milhões de portugueses que a vêm intervir regularmente noutros assuntos que não televisivos.

Sou, assumo, um “insensível ao contributo das ciências sociais”.

Sou mas porque raramente o vejo – excepto às vedetas da sociologia que há anos transmitem a mesma posição nada crítica.

Sou, porque aquelas “pessoas qualificadas” são das que o país mais precisa para nos elucidar – porque foram formadas para isso e por isso devem saber mais que os outros e têm um contributo a dar ao país – mas não as consigo ouvir porque elas raramente falam. Claro que há algumas, poucas.


Cheguei a este comunicado da APS pelo Miguel Caetano, interveniente público em várias questões que afectam a cultura e a sociedade e a ela aporta um conhecimento académico. Mas é caso raro.

Alguém questionou o ministro Nuno Crato sobre o “apartheid provisório” (o termo é dele, em entrevista esta semana à TVI24) que está a querer gerar com as turmas de bons e maus alunos?

Ainda há dias, com o Luís António Santos, se colocava a mesma questão sobre os media: uma academia fechada, uns encontros porreiros sempre com os mesmos intervenientes em que pouco muda a agenda para estarem presentes sempre os mesmos a dizerem praticamente o mesmo, e a academia presta-se a isto sem qualquer actividade interdisciplinar ou “out of the box”, interessante e importante, que vá buscar gente de fora dos media – neste último caso.

E assim os alunos continuam a ouvir mais do mesmo (e cá fora também…): "o nível de qualidade que existe nas escolas é baixo. As pessoas saídas das universidades não têm competitividade. Não há excelência"…

Nem partilha de conhecimento com o exterior, nem debate no interior sobre tudo isto.

Há académicos participativos, além dos nomeados acima.

Por exemplo, se alguém percebe o que se está a passar hoje com a televisão digital terrestre (TDT) no nosso país, isso deve-se a Sergio Denicoli, da Universidade do Minho. Mas onde páram as outras instituições que estudam os media e/ou as telecomunicações?

Outro exemplo da ausência pública das universidades em temas prementes: quem vigia os cargos públicos?

Vai surgir um novo projecto, o Parlamento Online: “Eles votam na Assembleia da República, nós votamos online e depois vamos comparar os resultados. Será que os deputados, com este sistema eleitoral, realmente nos representam?”

Aquilo, como se apresenta, vai ser um “reality show”, mas nenhuma universidade olhou para isto, de forma diferente, e se posicionou para um papel mais sério.

Realmente, onde é que está a universidade que nos possa dar dados, informação, conhecimento e elucidar sobre a sociedade em que vivemos? Independente dos partidos e das vitórias eleitorais? Independente, analítica e divulgadora de conhecimento para a sociedade. É pedir muito?