10 dezembro 2016

No dia em que Bob Dylan (não) recebeu o prémio Nobel da literatura


Quer mesmo conhecer um outro Bob Dylan, um que é acusado de plágio no mundo artístico e é citado em artigos científicos?

Robert Allen Zimmerman pode ser elogiado por, como Bob Dylan, ter ganho o Prémio Nobel da Literatura de 2016 e até pelas duas centenas de citações em artigos científicos mas dificilmente será bem visto pelas suas posições no direito de autor. Isto porque há um outro Bob Dylan para lá do vencedor do prémio Nobel de 2016 para a literatura, que assume posições contraditórias sobre os direitos de autor.

Dylan (não) recebeu o prémio Nobel da Literatura de 2016 - foi Patti Smith substituir a sua aura - por "ter criado novas expressões poéticas na grande tradição das canções americanas".

Nada de quase novo para quem também não recebeu um prémio Pulitzer honorário em 2008 - enviou o filho Jesse... - pelo seu "profundo impacto na música popular e cultura americana, marcado pelas composições líricas e extraordinário poder poético".

Os elogios são reconhecidos e, para quem não conhece (!) a sua obra musical, há recomendações para o ouvir na New Yorker, na Rolling Stone ou na CNN.

Dylan pode ser um grande cantautor mas é também um interessado na gestão dos seus direitos de autor.

Zimmerman, também conhecido por Bob Dylan ou Elmer Johnston ou Blind Boy Grunt ou Jack Frost, lançou em 2013 apenas 100 cópias da caixa com quatro CDs "The 50th Anniversary Collection: The Copyright Extension Collection, Vol. 1.", cujo objectivo foi aproveitar a então recente lei de direito de autor europeia para proteger 86 músicas gravadas entre 1962 e 1963.

Segundo a sua editora Sony Music, o objectivo da compilação não era um "esquema para ganhar dinheiro" mas impedir a possibilidade de estas obras poderem ficar em domínio público, pelo que o artista deixaria de receber quaisquer dividendos pelo seu uso. A venda dessa centena de cópias levou a preços no mercado paralelo de 1.400 dólares por cada disco - e a acusações de promoção da pirataria do disco.


Herói ou ladrão
Dylan controla os direitos autorais das suas músicas, sendo estes geridos pela Sony fora dos EUA, enquanto a editora Columbia Records mantém o controlo nas gravações, numa gestão assumida pelo "manager" Jeff Rosen.

Já antes, em 2009, se questionava se ele seria "um herói cultural ou um ladrão de direitos de autor". Um ano depois, até Joni Mitchell o acusou de plágio: "Bob is not authentic at all: He’s a plagiarist, and his name and voice are fake. Everything about Bob is a deception."

Aparentemente, Bob Dylan concordava com Mitchell: "The melody for “Blowing in the Wind” comes directly from an old spiritual “No More Auction Block,” and on a New York radio show in 1962, Dylan played a new song, “The Ballad of Emmett Till,” and off-handedly admitted that he had stolen the tune from another folksinger, Len Chandler".

Para o escritor Lewis Hyde, "Dylan inspirou-se num rico filão de velhas melodias populares para a maioria das suas primeiras canções". Isso "não é roubo; é a tradição popular no seu melhor" mas, no entanto, "quase dois terços da obra de Dylan entre 1961-1963 - cerca de 50 canções - foram re-interpretações de clássicos populares americanos".

No ambiente corporativo actual dos direitos de autor, a apropriação intelectual nos seus primeiros trabalhos poderia ter acabado em tribunal.

É o próprio Dylan, neste complicado cenário, a revelar que "tudo pertence a todos", assumindo a legitimidade das obras derivativas: "aprendi letras e como escrevê-las a ouvir canções 'folk'", diz, notando que "também tenho que mencionar alguns dos primeiros artistas que gravaram as minhas músicas muito, muito cedo, sem terem que o fazer". Ou a pagar direitos por essas gravações.

Passados estes anos todos, há coisas que só pertencem ao artista. O Bob Dylan Archive agrega mais de 6.000 peças do seu arquivo pessoal. Foi vendido em Março de 2016 à Kaiser Family Foundation e à universidade norte-americana de Tulsa por um valor estimado entre os 15 milhões e os 20 milhões de dólares.


Dylan no mundo académico
Mas quem vai poder analisar este espólio? Provavelmente os estudantes de Kevin Barents, que lecciona desde 2009 um curso na Boston University sobre "Bob Dylan’s Lyrics" e já então tinha de recusar candidaturas para as suas aulas.

Dylan é motivo de interesse no mundo da ciência também por outras razões.

As citações ao seu nome cresceram de modo exponencial, nomeadamente nas publicações científicas de biomedicina, segundo dados do British Medical Journal, que constatou mais de 200 artigos com referências ao artista.

Dylan é igualmente interessante no mundo da ciência devido a uma aposta com quase 20 anos. Em 2014, investigadores revelaram estar a introduzir letras de Bob Dylan nos seus artigos de investigação, com base numa aposta feita em 1997 - ano em que Dylan lançou o disco "Time Out of Mind".

O primeiro "paper" científico desta aposta, "Nitric oxide and inflammation: The answer is blowing in the wind", foi aceite pela revista científica Nature, sem qualquer referência directa a Dylan. "Todos os cientistas são fãs de Dylan - ele devia receber o prémio Nobel da literatura", sugeria então Eddie Weitzberg.

E não é que acertou? (Ou falhou, relativamente ao "receber" o prémio este sábado...)