19 julho 2009

A acareação de Hamburgo 5/5

Abordada a crise dos media, a Declaração de Hamburgo, as posições de editores e da Google, visões e alguma especulação, vamos ao que interessa: qual o impacto disto tudo em Portugal?

A interacção entre o papel e o online pode ser tão devastadora como benéfica para leitores e editoras. Permite uma re-alimentação fantástica entre meios. Átomos e bits aos saltos perante uma audiência interessada - mas nada disso é abordado na declaração de Hamburgo.

O documento marca uma posição concertada para generalizar a convicção de que os conteúdos jornalísticos na Web vão ser pagos. “Get Your Free Online Newspaper! While You Can”. Estabelecer a ideia de que um conteúdo gratuito será bizarro, “idiotic”.

Os anúncios (de Berlim e em Portugal) são feitos com as empresas concertadas, para evitar avanços isolados, falhanços e recuos conhecidos.

Como as propostas são vagas, deixam cada um livre para fazer o que bem entender. E, por cá, vão ser feitas... à portuguesa.

Será criada uma cooperativa de fiscalização de conteúdos jornalísticos na Internet, com intenção de avisar primeiro e cobrar depois a indivíduos ou empresas que os usem sem pagar. Sim, fala-se de indivíduos.

A cooperativa Agemedia “vai ‘escrever’ aos que utilizam indevidamente os conteúdos a avisar ‘de que não o devem fazer ou como o podem fazer’, através do pagamento de direitos de autor”. Se a situação persistir “será resolvida em tribunal”, segundo João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa.

A cooperativa vai começar pelos “utilizadores indevidos nacionais”, “aqueles que disponibilizam nos seus sites notícias divulgadas pelos órgãos de comunicação social sem o devido pagamento”. Feito o pagamento, a Agemedia distribuirá o recolhido pelos cooperantes – e assim se explica como tantos grupos de media se juntem na “declaração de Lisboa”.

Então e o bandido Google? “A actuação contra motores de busca e portais agregadores de notícias, como o polémico Google News, será feita a nível europeu”...

Então e vão usar o REP? “Palmeiro frisou que o bloqueio do acesso só faz sentido em países como a Dinamarca, por ter uma língua que não é falada em mais lado nenhum”.

Então mas “tem de haver sanções a quem utiliza o que não lhe pertence”, como disse Pinto Balsemão? Tem mas os pequeninos dão menos problemas, até porque “o segundo passo é conseguir que os operadores de telecomunicações e de Internet desliguem esses prevaricadores e retirem-nos da rede”. “Em causa, estão motores de busca como o Google News ou o YouTube, mas também portais que agregam conteúdos que não são deles e empresas que compram clipping (serviços de selecção de notícias em jornais, revistas ou sites), explicou João Palmeiro”.

Vão desligar da Internet motores de busca, portais e empresas? Sim, com a ajuda da Inspecção-Geral de Actividades Culturais, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e da Anacom.

Quanto ao clipping, a declaração de que as “empresas que compram clipping” é que estão em causa deve ser engano. Senão, é uma curiosidade: penaliza-se quem compra mas não quem produz e vende essa agregação de conteúdos?

Sobre esta “selecção regular de artigos de imprensa periódica, sob forma de revista de imprensa”, os grupos de media não emitem opinião nem se altera a lei. Não se percebe porquê, quando é um negócio pernicioso para elas. Não se pode chamar roubo porque é legal mas o que diriam os merceeiros ou os hipermercados se eu lá fosse todos os dias, seleccionasse gratuitamente umas peças de fruta e as agregasse num saco para depois as vender a terceiros?

Não se metem com as empresas de clipping mas sugerem-se “medidas práticas, como ‘a aplicação de uma taxa a todos os equipamentos de reprodução digitais’”.

Assim, dificilmente os princípios da declaração de Hamburgo assinada em Berlim, filtrados pela esperteza em Lisboa, vão trazer melhorias ao jornalismo português.

Sim, os conteúdos jornalísticos online podem vir finalmente a ser pagos mas isso já podiam antes. A concertação de Lisboa garante que avançam todos unidos? De pouco servirá, na prática, porque a lei nacional sobre o direito de autor isenta de protecção as notícias do dia.

Sim, os editores de media vão finalmente confrontar os gigantes da Internet – mas primeiro vão ao peixe miúdo. Quem acompanhou as reviravoltas da indústria discográfica nos últimos anos já deve estar a antecipar a galhofa que aí vem. Mas quem gosta do jornalismo, dificilmente achará piada.