27 novembro 2003

VITAMEDIAS

Os blogues tendem a criticar e acompanhar os media. É natural. O surpreendente é não ter ainda visto comentários à entrevista a Mário de Carvalho, por L. M. Faria, no último Expresso. Aqui vão duas perguntas e respectivas respostas:
- Antes do 25 de Abril havia uma guerra, que é o mais terrível, mas pelo menos devia haver a esperança que a evolução seria para melhor.
Exactamente,. Por trás do muro haveria qualquer coisa. Agora não há muro, e não vemos a possibilidade de sair deste atascamento onde nos encontramos. Dá impressão... É difícil dizer isto, as pessoas depois sentem-se ofendidas... Dá impressão que há qualquer coisa de reles, de baixo, avacalhante, ajavardante, que vai impregnando camada social após camada social. Neste momento, as linhas de defesa já são muito pequenas. Quando me dizem: "Bom, noutros países é igual..." Mas existe lá uma massa crítica que não existe em Portugal.
- Qual o factor central nisso tudo, se acaso há um? São as modificações no ambiente mediático?
Os jornalistas não gostam nada que se diga isto, mas eu penso que a traficância de conteúdos das televisões - geralmente das privadas, mas também da pública, que lhe seguiu no encalço rasteiramente, numa lógica de pura veniaga - tem contribuído em grande parte para o apodrecimento e o envenenamento do sentido cívico dos portugueses, que já era curtinho. Uma grande responsabilidade cabe quer aos apresentadores que se prostituem dessa maneira, quer aos próprios jornalistas que se demitem da cidadania. Incomoda-me cada vez mais que aparece um colega seu, com um ar muito pimpão, a dizer: "Não me diga que a culpa é da comunicação social". Porque às vezes a culpa é mesmo da comunicação social. Quando alguém num noticiário vem dizer, "Não desligue porque...", e "a seguir...", etc., não está a fazer jornalismo, está a fazer espectáculo. Está a fazer o jeito ao patrãozinho. E o que mais me incomoda neste país é o domínio completo do patrãozinho, a subserviência ao patrãozinho.
Nos "media" isso parece-me cada vez mais claro e desesperante. Entristecedor, mesmo, porque havia em Portugal uma tradição de os "media" estarem ao lado da crítica e não contra ela. A nossa civilização inventou essa coisa muito importante, a crítica, no século XVII. Outros ainda não chegaram lá. O ensino é o lugar da crítica, o jornalismo é o lugar da crítica. As elites, se assim quiser, são o lugar da crítica. Não são o lugar daquilo que se opõe à crítica: o obscurantismo, a astrologia, a tolice...
[E assim se percebe que muitos olhem para o lado. Mas, pelo menos aqui, esperam-se comentários. E quem não comentar é cobarde ou patrocina a subserviência ao "patrãozinho"...]