Passou despercebido ou eu não notei qualquer comentário nem ameaça de processo judicial a este COMO SE FAZ [...] EM PORTUGAL (ligação só para assinantes):
Os envolvidos em pressões dificilmente as confirmam. No dia 20 de Setembro, exactamente um mês depois de eu divulgar pressões do gabinete do primeiro-ministro sobre a RTP quanto à cobertura dos incêndios, a imprensa divulgou a demissão de Carlos Daniel, subdirector de Informação baseado no Porto, na sequência de alegadas pressões do poder desportivo (Federação Portuguesa de Futebol). Tal como o meu artigo, as notícias usaram fontes não identificadas para dar conta da pressão, pois essa é quase sempre a única forma de poder-se divulgá-las. Como aconteceu comigo, as partes envolvidas negaram as pressões. Vivemos num país em que pressões só as atmosféricas e arteriais. É um país do respeitinho: o meu artigo, intitulado Como se faz censura em Portugal e envolvendo o gabinete do primeiro-ministro, foi "gravíssimo" e originou um ai Jesus de virgindades ofendidas e queixas e insultos e mentiras sobre mim e o diabo a quatro. No caso Daniel mantêm-se a compostura, como se pressões e sua aceitação fizessem parte de um jogo que temos de aceitar como normal. Eu não aceito. Ao contrário do que sucedeu com o meu artigo, que eu saiba a ERC não tomou a iniciativa de abrir um inquérito às notícias de pressões do poder desportivo sobre a RTP publicadas no PÚBLICO, O Jogo, A Bola, Correio da Manhã, etc. Mas devia. O caso é igualmente sério e não pode haver critérios opostos.
Carlos Daniel é uma das pessoas que apresentou queixa-crime contra mim a propósito do artigo de 20 de Agosto. Suprema ironia, 30 dias mais tarde é afastado, segundo as notícias, em resultado de pressões a que a RTP vergou. Ele, que sentiu as dores dos seus colegas de Lisboa pela revelação das pressões que referi nesse artigo, é agora vítima de outras pressões. Veremos se surge agora alguma queixa-crime contra os órgãos de imprensa que escreveram sobre a pressão do poder desportivo...
O afastamento de Daniel deve-se segundo as informações publicadas e as que recolhi, à independência relativa, sua e da RTP Porto, perante Lisboa e, portanto, aos poderes pressionantes, seja ele o político ou o desportivo. Na sexta-feira (22.09), A Bola informou que o afastamento de Daniel "terá sido mesmo sugerido". A sugestão teria ocorrido na altura do acordo entre a RTP e a Federação "para a RTP transmitir todos os jogos de apuramento para o Europeu 2008." Esse acordo foi assinado em 27 de Julho. E, de facto, segundo uma informação que recolhi, Gilberto Madaíl almoçou a sós com a administração da RTP na sede desta empresa cerca de 20 de Julho.
Recordo que o empenho da administração da RTP pelo futebol oscilou nos últimos tempos. Em entrevista, o presidente da empresa, Almerindo Marques, tinha mostrado algum desinteresse, decerto por causa dos preços elevados, mas o seu renovado interesse ficou patente noutra entrevista depois de o ministro da tutela, em público, ter criticado implicitamente a operadora do Estado, que perdera o Mundial para a SIC. Numa reunião da UER realizada no Estoril em plena época do Mundial, o ministro Santos Silva "defendeu que os grandes eventos desportivos devem ser acompanhados pelo serviço público" (PÚBLICO, 06.07), o que na altura foi lido como mais uma pressão do poder político sobre a RTP. As informações disponíveis apontam, pois, para um outro quadro de pressões de poderes, político e desportivo, sobre a RTP. E, tal como eu fiz em relação aos incêndios, vários órgãos de imprensa afirmam que as pressões a respeito do futebol foram acatadas pela RTP. O citado artigo de A Bola é taxativo: desmente o desmentido da Federação e reitera que a Federação pressionou o afastamento de Daniel.
Ao mesmo tempo, outras informações indicam que a administração da RTP procura alargar a sua influência na área da programação e da informação, o que tem sido feito em boa medida através de um grupo de pessoas que vieram da SIC, em diferentes momentos. O mais recente foi Hélder Conduto, que chegou à RTP em Junho, nem por acaso para a área do desporto. Foi ele que substituiu Daniel no relato dum jogo da bola, sem que este tenha sido avisado senão poucos dias antes: tratava-se de, à moda da antiga RTP, levar Daniel a perceber que o estavam afastando, alegadamente pelos seus próprios colegas de Direcção, e, portanto, empurrando-o para a demissão.
Antes de Conduto, foram com Emídio Rangel da SIC para a RTP Luís Marinho e José Alberto Carvalho, actuais director e director-adjunto de Informação, e António Borga, administrador da RTP Meios, sendo agora os três «professores» numa pós-graduação no ISCSP de que Rangel será o "director técnico"; com ele foram também para a RTP Isabel Carvalho, recentemente promovida a directora, responsável do Gabinete de Planeamento e Controle das Antenas, pelo qual passam todos os contratos; Maria José Nunes, subdirectora de produção da Informação, cargo vital neste departamento; e Alberta Marques Fernandes, que tem sido mantida com responsabilidades na apresentação e coordenação do Jornal 2 apesar da sua má-prestação; pela SIC passou também José Alberto Lemos, director da RTPN e possível sucessor de Daniel. Este veio já pela mão do administrador com as áreas da programação e informação, Luís Marques, que, pelo cargo que ocupa, é quem, deste grupo de pessoas que veio da SIC, mais poder tem dentro da empresa.
Agora que Daniel foi afastado e com ele se demitiu um grupo de jornalistas do Porto onde há pessoas de reconhecido valor e independência, teremos de acompanhar de perto a evolução do Jornal da Tarde da RTP1, um noticiário feito no Porto, que se manteve mais desligado do poder político e da sua agenda e que, por causa disso, era até agora muitas vezes manifestamente superior em qualidade ao Telejornal. Veremos se "Lisboa", isto é, uma administração e uma direcção que, na minha opinião, vergam aos poderes, consegue partir a espinha à independência relativa do Jornal da Tarde e da redacção do Porto.
Há também que acompanhar o noticiário e o comentário sobre futebol nos canais da RTP. Veremos se se mantém a crítica livre à Federação e à Selecção Nacional, como aconteceu a propósito do Mundial, ou se essas críticas serão caladas, como, segundo a imprensa, pretendeu e conseguiu Madaíl e o universo do futebol e da sua mediatização.
Ass.: Eduardo Cintra Torres
[act.: Colocar o tema da nova Censura em cima da mesa: Um tema que, tragicamente, tem em si mesmo tendência a ser censurado. De uma coisa não há dúvida: as múltiplas novas formas de censura do pós-25 de Abril corroem a nossa jovem democracia, o regime e o futuro do país, em favor de interesses conjunturais de grupos políticos, corporativos, económicos e de media.]