18 setembro 2008

Jornalismo panóptico - uma reflexão

Sobre as redacções em espaços vigiados, uma questão: o espaço físico onde as notícias são produzidas influencia o resultado apresentado ao público?

A questão coloca-se com a nova tendência para a disposição dos espaços das redacções jornalísticas, orientadas a partir de um centro de gestão para as pontas onde funcionam os jornalistas e não só.

Este tipo de organização espacial não é pacífico porque permite uma vigilância panóptica, termo cunhado no século XVIII por Jeremy Bentham.


Nem pensar, defendem os criadores das novas redacções multimédia, como Juan Antonio Giner, vice-presidente da consultora de media Innovation. “Isto é o que os jornais devem fazer se não querem tornar-se em organizações burocráticas”, responde-nos por email.
A integração dos jornalistas do papel com as redacções multimédia foi sempre difícil, passada uma década de tentativas. Vários medias adoptaram uma nova postura, apostando em espaços cujo centro pertence aos directores ou editores. Assim, todos falam com quase todos e os responsáveis têm uma visão óptima sobre os jornalistas.

Esta concepção espacial tem enormes semelhanças com o modelo de vigilância proposto por Bentham. O “panopticon” era a base para a vigilância em vários locais, de prisões a hospícios ou escolas. Basicamente, colocava os vigilantes no centro dos espaços a controlar, garantindo um olhar para a totalidade da “Inspection House”.

A comparação parece exagerada para quem não viu propostas recentes de redefinição do espaço em redacções como o caso do brasileiro Correio da Bahia.

O trabalho foi revelado no blogue da Innovation, consultora de media que trabalha, por exemplo, com o Expresso em Portugal e já reformulou mais de 30 redacções “mono-media” para multimedia.

A “redacção integrada” com centro nevrálgico em forma circular foi bastante reconhecida em 2006 pela aplicação no inglês Daily Telegraph.
Mas melhoraram os resultados do jornal? “Não creio que tenha afectado o produto actual, apenas facilita a nossa vida diária”, referiu na altura Nicole Martin, responsável pela secção de media no jornal.

Uma redacção não é uma prisão”, escrevia também Bertrand Pecquerie, director do World Editor’s Forum. Ele alertava para o perigo das mudanças realizadas pelos consultores editoriais, nomeadamente para “as tendências autoritárias na gestão das redacções poderem prevalecer sobre as necessidades actuais de maior liberdade de expressão e maior interacção com os leitores”. E salientava que “um design errado de uma redacção pode gerar um jornalismo de má qualidade”. O exemplo de Bentham era então salientado porque “em vez do redesenho das redacções, revela que a ‘modernidade’ muitas vezes significa um ‘regresso ao velho modelo autoritário’”.

O tópico foi retomado por Mark Deuze, professor de jornalismo e novos media na Universidade de Indiana, que aponta o “contexto da crescente monitorização e vigilância dos trabalhadores associada às novas tecnologias nas empresas de media”.

Antonio Giner não acredita que este tipo de espaço promova a vigilância dos jornalistas. “Redacções em ‘open space’, uma zona central de planeamento, uma configuração flexível das posições das secretárias e os editores fora dos seus espaços fechados promovem criatividade, interacção, trabalho de equipa e um melhor jornalismo”, explica.

A Innovation “concebeu e implementou novos espaços físicos para mais de 30 redacções em todo o mundo e a nossa experiência é 100% positiva”, tanto mais que nenhuma “aceita regressar ao anterior sistema”.