21 agosto 2014

Qual #pl118 ou #pl283? AT vai olhar para direito de autor...

O Conselho de Ministros aprovou esta quinta-feira um conjunto de leis sobre o direito de autor, que podem valer muito dinheiro para as agências de gestão de direitos. Novidades?

1) O estabelecimento em Portugal e livre prestação de serviços de "entidades previamente estabelecidas noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu". Qualquer autor pode recorrer não à entidade local - como a SPA - mas a outra europeia, julgo. Há ainda referência a uma maior transparência destas sociedades, o que só pode ser positivo para saber para onde vão os fundos recolhidos.

2) Porque a lei da cópia privada estava desajustada perante "a compensação equitativa, prevista na legislação europeia, devida pela reprodução ou gravação de obras", disse o secretário de Estado ser necessário adequar a lei aos dispositivos digitais perante a "obsolescência" dos equipamentos analógicos. No entanto, a proposta do Governo continua a taxar esses equipamentos obsoletos...

As isenções são apenas "nos suportes para uso exclusivo no âmbito da atividade profissional do respectivo autor, em profissões artísticas e em aparelhos destinados a fins clínicos, de investigação científica e atividades públicas de defesa, justiça e segurança interna". Mas nenhuma destas utilizações é esclarecida, por enquanto...

"Dando especial atenção à atual conjuntura económica", a tabela de compensação "teve em consideração os princípios da proporcionalidade e adequação dos montantes em relação às utilizações típicas dos diversos equipamentos e suportes, o enquadramento e a contextualização da compensação equitativa em relação aos montantes praticados nos restantes países da União Europeia, bem como a racionalidade desses montantes face ao preço de venda do equipamento ou suporte". Nenhum documento foi apresentado para suportar estas declarações, ou para a "racionalidade" dos "montantes face ao preço de venda".

3) Atenção às novas "utilizações permitidas de obras órfãs", consideradas "desde que, estando protegidos por direito de autor e ou direitos conexos, nenhum dos seus titulares de direitos estiver identificado, ou se, apesar de um ou mais desses titulares estiverem identificados, nenhum deles tiver sido localizado, após a realização e registo de uma pesquisa diligente e de boa-fé".

Desta forma, por exemplo, uma RTP pode usar, após "uma pesquisa diligente e de boa-fé", imagens do YouTube. Porque "a permissão de utilização das obras órfãs" é dada a "organismos de radiodifusão de serviço público, em ordem a realizarem os objetivos relacionados com a sua missão de interesse público".

4) Por fim, algo que o secretário de Estado evitou explicar na conferência de imprensa de hoje. Chamou-lhe plano contra a pirataria mas o nome técnico é "Plano Estratégico de Combate à Violação de Direito de Autor e Direitos Conexos" (PECVDADC, de forma abreviada...) e será coordenado por uma Comissão Interministerial de Orientação Estratégica para o Direito de Autor (COEDA), constituída pelo período de um ano e que deve então "apresentar um relatório da atividade desenvolvida e dos resultados alcançados". Fazem parte da mesma:
a) Membro do Governo responsável pela área da cultura, que coordena;
b) Membro do Governo responsável pela área das finanças e da Administração Pública;
c) Membro do Governo responsável pela área dos negócios estrangeiros;
d) Membro do Governo responsável pela área da administração interna;
e) Membro do Governo responsável pela área da justiça;
f) Membro do Governo responsável pela área da economia;
g) Membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento regional;
h) Membro do Governo responsável pela área da educação;
i) Membro do Governo responsável pela área da solidariedade, emprego e segurança social.

Do comunicado do Conselho de Ministros, este PECVDADC aposta "na sensibilização social como forma de prevenção e em soluções integradas que aumentem o grau de eficácia no combate às violações desse direito".

Na nota posterior sobre os diplomas, explica-se que o tal plano "inclui medidas de cooperação, colaboração e prevenção, assim como, medidas normativas, de sensibilização social e de formação, com o objetivo de atenuar ou eliminar condutas que atentem contra os titulares de direitos de autor e de direitos conexos".

O tal Plano não foi divulgado publicamente. Mas foi dado a conhecer a 18 de Julho a várias entidades com pedido de emissão de pareceres até 30 de Julho por "razões de urgência" ainda relacionadas com a troika (ver imagem acima, editada do documento original).




E o que diz o tal PECVDADC?

Tem como "pilar" a colaboração entre a Administração Pública e "os titulares do direito de autor e de direitos conexos ou os seus representantes, dos quais se destacam as entidades de gestão coletiva, os produtores de software, de uso profissional, pessoal e de entretenimento e também os que exploram as criações intelectuais, entre estes com especial atenção nos que têm um papel no desenvolvimento das tecnologias de informação e da comunicação". É ainda "fundamental contar com a participação no presente Plano dos operadores de telecomunicações, os prestadores de serviços intermédios e os fornecedores de acesso à Internet, que se afirmam como dinamizadores e potenciadores do desenvolvimento de novos serviços e conteúdos na rede". E "finalmente os consumidores ou entidades formais ou informais que os representem".

O PECVDADC não é apenas de "estratégias puramente repressivas e punitivas das violações contra o direito de autor e direitos conexos, procurando, também, a clarificação de situações de fronteira entre a utilização livre e a 'pirataria'", nomeadamente para "atingir o objetivo de contribuir para tornar a sociedade portuguesa, nos patamares mais relevantes para este âmbito, consciente das consequências perversas que a permissividade na utilização de conteúdos protegidos tem para a criação artística, literária e conexa".

O Plano foca-se em "quatro perspetivas diferentes, nomeadamente: os titulares do direito de autor e de direitos conexos; a indústria das tecnologias de informação e de comunicação; os usuários das obras e prestações protegidas" - um articulado que remete linguisticamente para o artigo 24º f) da Lei 83/2001 sobre a "lista contendo a indicação dos acordos celebrados com entidades representativas de interesses dos usuários de obras, prestações e produções protegidas". Usuários?...

A COEDA vai gerir "o problema da 'pirataria' nas várias vertentes, quer em ambiente físico, quer em ambiente digital". Detectada a "pirataria", haverá "certas medidas de ordem policial cujo objetivo seja a prevenção deste tipo de delitos". Mas o que é a pirataria? "Referimo-nos a um importante número de obras e prestações protegidas pelo direito de autor e direitos conexos, como são, nomeadamente, a música, o cinema, os programas de computador, as artes plásticas ou as artes literárias, a produção jornalística de conteúdos e as prestações que lhes podem estar associadas", diz o Plano.

A COEDA vai analisar os diferentes "sectores afetados", através de questionários públicos, enquanto os ministérios da Administração Interna, Justiça e Economia "analisarão as relações dos grupos organizados que operam neste sector com outros tipos de criminalidade organizada, embora só devam ser públicos os dados que não impliquem questões de segurança e de ordem pública". O resultado será uma "Carta de Violações do direito de autor em Portugal" - ou uma "carta da 'pirataria' de Portugal, como instrumento para determinar as áreas geográficas onde concentrar os maiores esforços".

Já os responsáveis da cultura e da economia "estabelecerão e fomentarão vias de diálogo permanentes entre a indústria das tecnologias da informação, os operadores de comunicações e os titulares de direitos, com o fim de propiciar um acordo em que todos contribuam para a eliminação da circulação de produtos ilícitos, também e em especial nas redes digitais, arbitrando mecanismos para que os cidadãos encontrem uma oferta variada e satisfatória às suas necessidades por estes meios".

Quanto ao fisco, e no prazo de seis meses, "impulsionar-se-á a especialização da autoridade tributária em matéria de direito de autor e direitos conexos, com o fim de melhorar os conhecimentos técnicos e jurídicos da máquina fiscal para potenciar a luta contra este tipo de delitos".

Qual o objectivo? "Especialização de membros da autoridade tributária para uma mais adequada perseguição destes delitos", diz o PECVDADC. "O resultado desta ação determinará as modificações necessárias para dotar de uma maior eficácia a máquina fiscal, e poderá conter recomendações. Neste processo é importante contar com a participação, a nível consultivo, das entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos e do sector privado com o fim de conseguir medidas normativas mais justas e equilibradas".

Em paralelo, pretende-se "estabelecer e desenvolver mecanismos de autorregulação e colaboração para detetar e retirar os conteúdos não autorizados que circulem nas redes digitais, assim como para determinar a identidade dos infratores de direito de autor. Em todo o caso, e para garantir a segurança jurídica dos agentes implicados neste processo e a eficácia destas ações poderá analisar-se e estudar o desenvolvimento do comércio electrónico". Esta não percebi, mas a culpa é minha...

Em resumo, a secretaria de Estado da Cultura aproveitou o "barulho" sobre a proposta de lei da cópia privada para atirar um conjunto de outros diplomas que podem ter igual importância no futuro. Parabéns, diria eu, mas não sei a quem os endereçar. É que ainda não se soube se a autora da #pl118 da ministra Canavilhas não é a mesma da #pl283 de Xavier.

E é bom não esquecer que o fisco pode bem ser a "nova PIDE"...

[actualização: a ler: "O Extraordinário Cobrador"]