10 julho 2003

VITAMEDIAS
Mário Bettencourt Resendes (MBR), director do DN, questionou ontem Os jornais generalistas à procura de um futuro. Diz ele:
"Se olharmos, por exemplo, para o Reino Unido ou para os EUA, verifica-se que, em 20 anos, o número de jovens com hábitos regulares de compra e leitura de jornais caiu a pique."
- Quando o poder de compra dos jovens tem vindo a aumentar nesses 20 anos, porque não cresce a compra de jornais nesse segmento. Porquê?

"E essa alteração encontra uma explicação quase «simétrica» nos indicadores respeitantes à utilização de novas tecnologias de informação e entertenimento e no consumo de publicações temáticas que respondem à tendência para a segmentação do mercado".
- E os jornais generalistas como o DN, na voz de MBR, só agora descobriram isso? O que fizeram entretanto para alterar essa tendência, nomeadamente num jornal que lançou um suplemento para os jovens com sucesso? Nada! Optou-se por associar DVDs, livros e baixelas aos jornais para o público tradicional mas nada foi feito desde então para cativar o público jovem quando é sabido que as publicações temáticas atingem esse público-alvo e há anos que as tendências internacionais se reflectem rapidamente no nosso país. Mas mesmo na ignorância dessas estatísticas - o que não é o caso de MBR, presumo - bastava olhar para o lado demográfico e perceber que temos uma população a envelhecer, com pouco poder de compra e mais virada para a televisão gratuita, e que os jovens têm outros interesses. Como chegar até eles e cativá-los? Para que servem os estudos de mercado?...

"Terão razão os visionários que prevêem um destino negro para os jornais?"
- Depende dos jornais e dos visionários, como explico mais à frente (assumindo que MBR fala dos jornais em papel)...

"Terão futuro as experiências que se fazem no Media Lab do MIT, em Boston, à volta de um jornal em suporte sintético e durável, capaz de mudar diariamente o conteúdo em função de um chip?"
- MBR usa o tecnopalavreado horrível que pouco diz mas embrulhado em termos pseudo-técnicos dá um certo "glamour":
por exemplo, que raio é "um jornal em material sintético que muda de conteúdos graças a um chip"?... Isso não existe!
E note-se o preciosismo tão anos 80 das "experiências" no "Media Lab do MIT, em Boston" - repararam? É o MediaLab... do MIT (que quem não sabe o que é, não fica a saber) mas ele sabe que é em Boston (Boston dos EUA mas não no MIT na Irlanda, certo?) E o "chip", tão, tão... sei lá!
Como é que os jovens pagam para ler algo num jornal sobre o qual sabem muito mais e quando facilmente percebem que o seu director entende tão pouco?

Sobre este "chip" e jornais em "material sintético", penso que MBR se refere ao ecrã flexível que, ligado à Internet, permite fazer a transferência dos conteúdos do jornal ou das secções que nos interessam. Nada tem de visionário, apesar da indústria do papel gostar de o ver assim :-)
Esse material existe mas ainda não é comercializado em larga escala. Veja-se este artigo sobre o seu funcionamento: "How Electronic Ink Will Work" e as ligações para as duas empresas que o desenvolvem.
Depois, gostava de ouvir as opiniões de quem duvida que é um produto cativante para as novas gerações habituadas a ler em ecrãs e a não adquirir jornais em papel. E que elimina igualmente os constrangimentos de quem dizia que não se podia levar um jornal electrónico para a cama, casa de banho ou praia - este ecrã vai para todo o lado e com conteúdos que só dependem da sua memória informática: tanto se pode ter o jornal como um livro...



"O caminho promete muitas agruras, mas se os jornais souberem construir modelos de tratamento da actualidade inspirados na «compreensão» e no «serviço», mais do que na mera informação, têm uma janela de oportunidade."
- Concordo - entendendo que MBR se refere ao necessário contexto das notícias e não percebendo a do "serviço" - mas isso não está dependente dos suportes mas do jornalismo, uma mistura que MBR faz mas não clarifica.

Outra coisa que não percebo neste texto de MBR, nomeadamente sobre a "janela de oportunidade", é o porquê deste texto nesta altura: falta de tema? Resquícios do encontro mundial de directores de jornais? Porquê? Mas levado ao DN pelas pertinentes questões do Jornalismo e Comunicação, vejo MBR a misturar o futuro dos jornais com o dos seus suportes (e ainda com o do jornalismo).
Não é o jornal como o conhecemos que pode desaparecer mas sim o jornal em papel que pode ser substituído por estes ecrãs. Pode-se concordar com o peso afectivo do papel mas também se deve olhar para o potencial deste novo suporte: é possível ter textos do Expresso e do Público e do DN, ao lado do ecrã da reportagem sobre o mesmo tema feita pela Sic, RTP ou TVI, com comentários dos leitores no fim dos textos e ainda ligação para a entrevista dada pelo protagonista na rádio sobre o mesmo assunto. O ecrã é multimédia e elimina as fronteiras do suporte.



Como é que isso pode prejudicar o jornalismo? Como pode afectar os bons jornais ou os bons livros? Pelo contrário, não poderá dinamizar um novo tipo de jornalismo de que ainda só antevemos o potencial? Um ecrã pessoal, no qual elimino o Big Brother mas vejo o Jornal da RTP 2 à hora que quero é um mau suporte?
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