23 janeiro 2004

CULTURAS IN VITRO

Convenhamos que ainda há gente com estilo, o que, no nosso país, é cada vez mais raro.
Veja-se Nuno Markl, o autor de O Homem que Mordeu o Cão.
Descobriu agora o que escrevi em Janeiro de 2003. Afirmava eu então que "O fenómeno de "O Homem que Mordeu o Cão" [ou o fenómeno do homem que não mordeu o cão mas garante que o fez: em nenhum lado do "best-seller" ele refere as fontes de onde retirou as histórias - e toda a gente lhe dá os parabéns e não questionam a "pirataria"!!!... Quanto a direitos de autor, vou ali e já venho...]
Pois o Nuno resolveu - com toda a legitimidade - retorquir agora quando descobriu o texto, explicitando a sua posição. Com a sua expressa licença, aqui vão os comentários trocados por "email".
(Uma nota lateral: tomara todos os políticos ou jornalistas ou outros com responsabilidades públicas terem a mesma disposição do Nuno para divulgar, questionar ou responder aos seus (e)leitores/rádio-ouvintes em público: seria a demonstração de que os blogues ou outros meios interactivos afinal servem para algo na comunicação entre produtores e receptores de mensagens.)

Nuno: De vez em quando parto à caça, na web, do que se diz de mim e das coisas que faço. É uma boa maneira de não ficar autista e de aprender alguma coisa (aprende-se, sobretudo, com as sovas). Encontrei a sua levemente irada nota sobre o livro d'O Homem Que Mordeu o Cão, completa com a observação sobre o facto de eu ter omitido a referência às fontes onde fui buscar as histórias e qualquer coisa envolvendo direitos de autor.
Muito bem: o HQMC é uma rubrica de notícias bizarras. Notícias, como em noticiário. A maioria das histórias, fui buscá-las (e vou buscá-las diariamente) a um sem-fim de agências noticiosas internacionais, como a Reuters - o mesmo método seguido por noticiários de todo o mundo. Que eu saiba, não se costuma pagar direitos de autor sobre notícias, sobre factos reais. E os factos são factos - a ideia da minha rubrica é pegar neles (e não inventá-los ou roubá-los aos "criativos" das agências noticiosas) e usá-los como pontos de partida para o meu próprio humor.
Fica feito o esclarecimento.

PedroF: eu não contesto esse seu método no programa radiofónico - nomeadamente pelas razões por si explicadas - mas não posso deixar de o fazer relativamente à edição em livro. Até por uma simples cortesia para as fontes - e nem todas são agências noticiosas, como por várias vezes já referiu no seu programa. Não estragava nada, apenas engrandecia o autor.
De resto - e para lhe demonstrar que se trata não de "ira contra o autor" mas apenas de "mania dos direitos de autor" (é mais forte do que eu...) - aproveito esta oportunidade para lhe dar parabéns pelo fantástico programa e derivados, nomeadamente o livro, cujo sucesso só comprova como andamos precisados de bom humor :)

Nuno: O que acontece é que as histórias do Cão dividem-se em vários tipos: as notícias de agência (impossíveis de determinar quem são os seus autores, apenas que foram factos que aconteceram e foram noticiados por inúmeras agências e jornais), as histórias enviadas por ouvintes (sendo que muitas delas são notícias de agência; no caso da história de Zé Bomba, no primeiro livro, fiz a justiça possível ao autor, nomeando-o como podia - ou seja, como "Zé Bomba", uma vez que ele pediu que fosse tratado por esse nome!), as que circulam pela net e são anónimas (como a lendária história do assentador de tijolos) e, sobretudo no segundo livro, muito material da minha lavra pessoal (como as teorias sobre canto gregoriano, futebol e taxistas, etc).
Portanto, na sua grande maioria, é mesmo difícil ou impossível determinar a fonte. De notar que - e se o Pedro é, como diz, ouvinte, sabe disto - coisa que evito é contar (no livro ou na rádio) a história e está despachado. O meu lado de autor está no ângulo que dou à história e aos comentários que a elas junto... Senão era fácil, e apesar de ser um preguiçoso do caraças, tenho suficiente brio profissional no que toca à escrita do humor (afinal de contas escrevo graçolas vai para mais de 10 anos... É o que faço para viver) para ser mais do que um mero papagaio de coisas escritas por outros.
Mas pronto, está esclarecido. E agradeço a observação - sempre que possível, tentarei ainda com mais afinco determinar a origem e fazer justiça a quem revelou esta ou aquela história. O que contestei foi o tom usado no blog... Pareceu-me a crítica fácil e batida do "este gajo rouba as histórias a outros e quem recebe os parabéns é ele".
Compreendo que para quem não esteja minimamente dentro do universo do Cão, a coisa possa soar assim... Mas se ainda por cima me diz que é ouvinte, menos razão acho que tem para insinuar que há um lado sinistro e obscuro na obra Markliana. ;-)
Mas pronto, paz! E ainda bem que conto consigo entre os ouvintes!

PedroF: Como antes expliquei, era precisamente para evitar essa "crítica fácil e batida do 'este gajo rouba as histórias a outros e quem recebe os parabéns é ele'" que uma nota sobre as fontes (no livro, CD, DVD, programa da peça de teatro, etc...) resolvia o assunto sem grandes problemas - mesmo entendendo o lado profissional de que não se trata de um "papagaio" de histórias bizarras. E o tom usado no blogue foi de crítica nesse sentido (relativamente ao livro), nem mais, nem menos.
Aliás, concorda e compreende "que para quem não esteja minimamente dentro do universo do Cão, a coisa possa soar assim..." Infelizmente, digo eu, porque acaba por não se dar o devido valor ao seu trabalho pessoal de produção criativa.
Em paralelo, não insinuei "que há um lado sinistro e obscuro na obra Markliana". Aliás, se o dissesse, isso levava-nos noutras direcções como a da fatiga dos criadores originais em Portugal, numa opinião puramente pessoal.
O Nuno, tal como as Produções Fictícias, o Alvim, o Herman José e outros, sofrem da "síndrome do sucesso". Ou seja, estão obrigados a produzir de uma forma industrial que acaba por se afastar da criatividade espontânea do início das suas obras apresentadas em público. O resultado é, para um mero ouvinte/espectador como eu, uma quebra na qualidade. Mas essa já é outra conversa - um lado sinistro e nada obscuro da obra PedroFiana...

[act.: Em defesa do atacado: o Terras do Nunca refere que Markl viola o direito de propriedade das notícias de agência e explica porquê. Mas Markl também declarou que as usa, entre outras, e eu presumo que a elas tenha acesso legítimo na rádio. Ou não?]