Agora que, finalmente em Portugal, tantos estão a descobrir o "velho" problema da junção entre quem detém as condutas (telecoms) e também os conteúdos (media), vale a pena ler este 'Huge fortune' spent on media influence: Giant communications companies running the gamut from Viacom to Verizon spent more than $1.1 billion in their efforts to elect lawmakers and influence the government over the past half-decade, according to a report released Wednesday.
[Para elucidar sobre o termo "velho", recordem-se dois textos vitais de Vital Moreira:
Vender Os Anéis e Os Dedos (Público, 22 Outubro 2002): "Retomando um projecto do Executivo anterior, o Governo acaba de fazer aprovar na Assembleia da República a autorização para a venda da rede básica de telecomunicações à Portugal Telecom, que actualmente detém o uso dessa mesma rede a título de concessionária. Não se trata simplesmente de mais uma privatização. A venda dessa parte do património do Estado reveste-se de um significado muito especial.
Primeiro, não se trata de um bem público qualquer. A rede básica de telecomunicações pertence ao "domínio público do Estado", caracterizado justamente pela sua indisponibilidade, sendo por isso inalienável. [...]
Por outro lado, embora a evolução tecnológica tenha permitido o estabelecimento de concorrência mediante redes alternativas, o acesso de todos os operadores à rede básica de telecomunicações, em condições de igualdade, continua a ser um elemento essencial do mercado aberto e concorrencial nesse sector. Sendo assim, não parece ser coerente a venda da rede ao operador dominante (o "operador histórico", encarregado das referidas obrigações de "serviço universal"), quando em todas as demais indústrias de rede (electricidade, caminhos-de-ferro, gás natural) se procedeu ou vai proceder a uma separação entre a propriedade e gestão da rede, por um lado, e os operadores e fornecedores de bens e serviços, por outro lado. [...]
Não existe Estado soberano sem o domínio do respectivo território. E não existe verdadeiro domínio se o Estado não dispuser do controlo do "backbone" infra-estrutural do território, em que se hão-de incluir as infra-estruturas de comunicações. Estas sempre foram definidas como bens de valor estratégico para a própria sobrevivência nacional. Por isso as redes de comunicações foram tradicionalmente consideradas entre os bens inalienáveis do "domínio público". Por isso mesmo, a alienação da rede básica de telecomunicações - numa decisão compartilhada pelo Governo e pela oposição, praticamente sem discussão nem contestação pública - revela até que ponto se obnubilaram as antigas concepções sobre os pressupostos materiais da soberania do Estado."
O cabo aberto (Diário Económico, 25 Abril 2003): "O anúncio feito pelo presidente da ANACOM ? a autoridade reguladora das comunicações entre nós ? de obrigar a Portugal Telecom (PT) a abrir mão da rede de cabo é uma das mais notáveis medidas regulatórias tomadas nos últimos anos entre nós. [...]
tanto a rede básica de telecomunicações (a rede de cobre) como a nova rede de cabo ficaram sob a égide do operador histórico, a PT (no caso do cabo, através de uma filial, a PTM). A situação tornou-se ainda mais consolidada recentemente, quando o Estado resolveu alienar a rede básica à PT, que até aí dispunha dela apenas a título de entidade concessionária do serviço público de telecomunicações. A mesma acumulação se verificou no caso da rede de cabo, esta já construída pela PT, na medida em que o cabo, além da imagem, pode servir também de suporte à transmissão de voz, bem como de dados com largo débito. A expansão da Internet de banda larga veio valorizar sobremaneira a importância do cabo, pese embora a alternativa da ADSL através das linhas telefónicas tradicionais. [...]
Para além dos seus efeitos positivos sobre o mercado de telecomunicações, esta medida regulatória merece destaque por outro motivo, a saber, pela comprovação da assinalável autonomia dos reguladores sectoriais em relação aos operadores dominantes. Tal como a ERSE em relação à EDP, é agora o regulador das telecomunicações a demonstrar que ente nós o perigo da ?captura? dos reguladores pelos regulados mais poderosos não se verifica. Por ambas as razões a iniciativa da ANACOM merece ser saudada."
Uma observação, uma pergunta e uma proposta:
1) a junção do negócio dos conteúdos com as infra-estruturas data do final dos anos 90. Era então "necessário" dominar "a cadeia de valor" desde o distribuidor e produtor até ao cliente final. Na euforia das dotcom - em que PT, Impresa (Balsemão foi dos últimos e aparentemente a contragosto, honra lhe seja feita), Media Capital ou Cofina seguem os mesmo passos ditados pelas consultoras para as cotar em Bolsa -, poucos olharam para os sinais de alerta e potenciais problemas que estão agora à vista;
2) "o perigo da ?captura? dos reguladores pelos regulados mais poderosos não se verifica". Será que Vital Moreira mantém a mesma opinião?
3) quando se quer potenciar a criação de uma indústria de conteúdos, não era melhor separar o negócio da infra-estrutura de comunicações ou da distribuição física do da produção de conteúdos? Uns e outros seriam obrigados a entender-se de forma mais... saudável!]