24 maio 2006

VITAMEDIAS

A culpa é sempre dos outros? Vivemos, de facto, num clima de promiscuidade crescente, perversa e quase irrespirável entre o sistema político e o sistema mediático, e nessa promiscuidade não existem actores verdadeiramente inocentes, como lembrou Pacheco Pereira (ele próprio, aliás, um dos comentadores e agentes políticos mais insinuantes, com presença semanal em duas colunas na imprensa escrita e num programa de debate na televisão). Acresce que a promiscuidade entre os dois sistemas é agravada pela degradação dos padrões éticos e técnicos do jornalismo e pela mediocridade e vazio da vida política. Um ambiente extremamente propício, portanto, aos pescadores de águas turvas que fazem o contrabando entre os dois lados (papel atribuído a agências de comunicação e assessores governamentais ou partidários). Se a isto somarmos a porosidade cada vez maior entre os negócios económicos e políticos, com uma malha apertada de troca de favores, o quadro está quase completo. Ficam ainda a pairar outras suspeitas de corrupção sórdida entre os vários elos da cadeia - pretexto para generalizações abusivas e inverosímeis (como pretendeu fazer Carrilho na RTP) mas que a engrenagem da promiscuidade institucionalizada favorece.
A degenerescência dos media como indispensável contrapoder democrático não é, longe disso, uma originalidade pátria, mas a escala diminuta do mercado interno, o peso da iliteracia e os efeitos corrosivos da crise económica tornaram Portugal particularmente vulnerável a essa deriva. A espiral avassaladora e quase generalizada da tabloidização informativa (que se acelerou com o aparecimento quase selvagem e desregulado das televisões privadas) teve como contraponto a perda de referências e equilíbrio editorial de alguns órgãos mais influentes da imprensa portuguesa. [...]
Carrilho pretende que a culpa da sua derrota não foi dele - foi dos outros. Será dos outros também a culpa dos jornalistas que não fazem verdadeiro jornalismo?