Para o Paulo e como contribuição à conversa no Blasfémias: a "Lista dos Grandes Caloteiros e Falsos Promotores Da Economia Nacional" é um dos piores momentos fascistas numa democracia, lembra a denúncia para a PIDE dos vizinhos que não gostavam dos seus, não é controlada por ninguém excepto pelo divulgador Estado (lembram-se dos milhões que iam ser apresentados, dos milhares que iam ser denunciados, das centenas que acabaram por ter ali o nome escarrapachado), é uma aberração tecnológica (quem controla os controladores?) que pode derivar no pior de uma sociedade.
Há uma nova tendência governamental: o voyerismo promovido pelo Estado, aceite sem o questionar por muitos cidadãos. Porquê?
Estamos apenas no primeiro passo porque a lista, diz o Ministério das Finanças, não contende com o dever de confidencialidade e vai continuar com "a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade".
Um Governo resolve usar o modelo dos "reality shows" em que (quase) tudo se mostra para revelar ao mundo a lista de caloteiros fiscais (e da Segurança Social). O sex appeal agora é a tecnologia, a Internet, enfim, modernices...
Repara que é o próprio Estado que se fragiliza, ao mostrar que não consegue cobrar aos contribuintes aquilo que lhe devem. Depois de ter negociado as dívidas fiscais com o CityBank, não assume que quer o homem do fraque físico mas disponibiliza um virtual. Sabes porquê? Olé, Plano Tecnológico! Olá propaganda!
Mais, não se sabe se qualquer daqueles contribuintes faltosos não tem dívidas a receber do Estado. A transparência é só numa direcção. Olé, novamente!
Com isto, não defendo que o Estado não cobre aos contribuintes faltosos. Isso é óbvio e não se discute. A questão aqui é o meio para atingir o fim. É fascista, no seu melhor (Para o Fascismo, o Estado é um absoluto, perante o qual os indivíduos ou grupos são apenas algo de relativo) e, se vires o texto sobre a D. Eufrázia, "não manifesta em si o exercício de um direito, designadamente de crédito, traduzindo-se numa forma ilegítima e juridicamente não tutelada de pressão sobre os visados".
Ora um Estado que não respeita os direitos dos contribuintes, é o quê? Repara, não é a manutenção do status quo porque esse foi alterado com o necessário fim do sigilo bancário. A divulgação da lista não contribui para os deveres dos contribuintes: pagar a tempo e horas, tal como o Estado deve fazer em sentido inverso. Depois de ter um nome na lista de faltosos divulgado, achas que eles vão pagar? Porquê?
Mais, a divulgação perverte um sistema justo porque quem entrar em litígio com a administração fiscal não tem o nome ali escarrapachado. Quem é que pensas que isto protege? Os 15 com mais de 1 milhão de euros? Tábem...
Repara ainda no que diz o estimado Estado: "A informação agora divulgada, de acordo com a referida autorização, destina-se exclusivamente aos fins que determinaram a publicitação, não devendo ser reproduzida ou utilizada para fins diferentes dos previstos nessas normas legais, designadamente para a organização de ficheiros informáticos, incluindo devedores de outro tipo de obrigações."
Mas acreditas mesmo que esta base de dados já não anda a circular aí pelas mais diversas entidades? E que mesmo depois de actualizada, os nomes não continuarão a circular por outras bases de dados, até ao fim dos dias sem que se possam remover?
Ora esta foi uma das condições que a Comissão Nacional de Protecção de Dados colocou para aprovar a referida lista: "deve a Administração GARANTIR,
a) a eliminação nas listas, no momento imediato, de situações regularizadas ;
b) o não uso destas listagens noutras de ?maus pagadores? ;
c) o modo como reparar a inclusão indevida de um contribuinte na listagem, aspectos estes que esta CNPD acompanhará e fiscalizará, sempre que confrontada e sem prejuízo da consequente responsabilização da entidade competente [...]"
Não só não se impediu informaticamente a inclusão desta em qualquer outra lista (todos a podemos copiar sem penalização e estou para ver como é que a CNPD vai fiscalizar isto - ah, quando "confrontada", é verdade...) como ainda diz o excelso Estado: "Quem, no entanto, entender, mesmo assim, que a sua inclusão foi indevida, designadamente por inexistência das dívidas, declaração de prescrição ou prestação de garantia em virtude de processo de reclamação graciosa, impugnação judicial e oposição à execução fiscal, além de pagamento a prestações legalmente autorizado, pode requerer e obter a todo o tempo a imediata eliminação do seu nome das referidas listas."
Reparaste no "a todo o tempo"? Não é bem assim: "Lista Devedores - 707 214 649 - Dias Úteis: das 9h-12h30 e das 14h-16h30"...
E o que dizia a autorização da CNPD? "no momento imediato"! Como entre uma autorização e uma divulgação já se modificaram algumas coisas...
A par com estas falhas do sistema, repara que a questão não é para as empresas, porque essas fecham e abrem no minuto. Aqui é a caça ao homem. Aliás, nesse sentido, o Estado devia obrigar os contribuintes em falta a usar uma estrela amarela para serem publicamente reconhecidos. Sabes porquê? Porque assim só quem tem acesso à Internet é que sabe o que se passa com o vizinho. É uma discriminação tecnológica irracional.
João Miranda diz que "O sigilo fiscal não serve apenas para proteger a vida privada. Serve também para proteger a integridade do sistema fiscal."
Concordo. Que raio de confiança tenho eu num sistema que me pede tudo e mais alguma coisa da minha vida privada e algum tempo depois a coloca na Net. Porque sabes que isto só vai continuar: agora são os dados públicos como o nome e o NIF, amanhã são empresas a confrontar isto com a aquisição dos seus bens, gastos em restaurantes ou compras...
Repara como o próprio Blasfémias já deu a entender o que se pode fazer, cruzando nomes e telefones. A imaginação será o limite.
Todos temos "problemas financeiros temporários na vida" mas essa não é a questão: isto é a transposição de uma fronteira impensável. A privacidade supostamente garantida pelo Estado acabou. Esse é o grande problema. Não é um caloteiro a defender caloteiros. O Estado é caloteiro, quer saber tudo de nós e ainda se arroga o direito de o divulgar quando bem o entender, sem que se percebam os critérios (eram 4000 e passaram a 200? O que aconteceu entre sexta e segunda-feira?)
Como isto é passado para os jornais num ponto de vista económico, ninguém que aborde os impactos sociais da tecnologia pegou no assunto. Resultado? Parangonas de que agora é que vai ser, graças à Internet!!! Tanga completa mas olé Plano Tecnológico!
O Estado tem mais do que nunca meios para fiscalizar e penalizar os "desonestos" (cruzamento de bases de dados, fim do sigilo fiscal, investigação em paraísos fiscais, etc.). Ele "sabe quem eles são".
Aquilo que aconteceu na segunda-feira é uma "infâmia" para o país. Somos o país do voyerismo e do espreita pelo buraco da Internet. Sabes que depois deste tipo de acções, só vai piorar.
O reality show da "caça ao contribuinte" afasta-nos de questões muito mais interessantes e de afinação democrática para os contribuintes e penoso para este ou qualquer Governo:
- onde páram as listas sérias dos apoios financeiros e presentes pessoais e empresariais aos partidos políticos?
- onde está na Internet a lista hierarquizada de empresas que mais contratos conseguem com a Administração Central e Local? E a listagem com as empresas públicas e os seus negócios?
- quais os maiores contratos efectuados pela Administração Central e Autárquica nos últimos 10/20 anos, as comissões pagas, os documentos legais desses negócios, os extravios de orçamentos, o que aconteceu a quem os outorgou, quais as mudanças posteriores nos conselhos de administração das empresas beneficiadas?
Dava jeito uma coisa deste tipo, por exemplo.
[act.: Esta coisa das listas: Este assunto cheira a imensa coisa, toda ela desagradável. Cheira a ameaça medieval com pózinhos de justiça popular, cheira a incompetência por parte de quem sabe quem são os devedores mas não consegue usar os meios legais aos dispôr para recuperar essas dívidas, cheira a falta de confiança nesse sistema de recuperação de dívidas pelo próprio sistema em si. Cheira a precedentes que não sei se quero saber onde irão parar.
Cheira a bananas, esta república de palhaços.
Listas: Todo e qualquer extorsionismo é ilegítimo porque viola direitos individuais. Mas o Estado permite que seja uma actividade legal, gerida e organizada em monopólio nacional pelo poder político. Esta máfia, apadrinhada pelo Poder, é a Administração Fiscal.
A imoralidade não está na divulgação e devassa por parte do Estado de informação supostamente privada, mas no poder de colocar o contribuinte numa situação de impotência, onde qualquer resistência é punida ou com apreensão de propriedade, ou com prisão.
O dia da infâmia V: A violação das regras que determinam quem deve constar (ou ser excluído) da lista de contribuintes faltosos, como parece ter acontecido com os contribuintes da Madeira, é tão grave como a própria divulgação da lista, cujo conteúdo se torna assim arbitrário e ofensivo do elementar princípio da legalidade.]
[act.1 (negrito meu): A sociedade aberta.: Há uma tendência para a denúncia (e para a denúncia anónima ? vulgar nos comentários dos blogs, por exemplo) na sociedade portuguesa. Num país que não consegue sequer explicar o funcionamento das escutas telefónicas com mandato judicial, é difícil perceber a defesa da transparência absoluta. A lista dos cidadãos com dívidas à administração fiscal é um acontecimento menor, mas é um passo ? não um passo em si mesmo, mas a permissão para avançar noutras direcções que podem colocar em causa a liberdade e a privacidade dos cidadãos.
Cuscos: Uma medida ridícula, pidesca, previsivelmente com resultados nulos, brincadeiras de moçarada - este é um Governo de rapazolas, inconsequentes. Deviam divulgar era a lista dos maiores pagadores, esses heróis.]