20 março 2007

TECNOSFERA

A Mónica André questiona e bem "Quanto vale uma opinião?" E detalha:
"O que acontece então, se ao longo do ano de 2006, foram adquiridos mais computadores para o lar, também eles com acesso à internet? O que acontece de cada vez que um computador tem que ser formatado? O que acontece quando nesses mesmos lares adquiriram dispositivos de acesso wireless"?
Mais questões: "o que acontece em relação aos acessos no local de trabalho? Para o mesmo período, registou-se aumento? Poderá estar relacionado com o decréscimo de rendimentos das famílias? E de que forma é que estes valores podem reflectir um estilo de vida mais móvel?"

Nada disso é contabilizado, porque, como explica, o Netpanel regista "A actividade na Internet de todos os indivíduos" do painel em Portugal continental através de um programa "previamente instalado nos computadores dos painelistas". Quanto a outros dados, têm de ser procurados noutros estudos.

Mas sobre o assunto da estabilização dos utilizadores da Net, que era o meu foco, duas notas.
A primeira, usando os dados do Netpanel (valem o que valem mas são da mesma entidade): ao longo de 2006 assistiu-se a uma estabilização nos acessos em redor dos 2,5 milhões de acessos domésticos contabilizados. Relativamente a 2005 (dados revelados em Janeiro de 2006), explicitava-se (o negrito é meu): "Uma análise dos dados do Netpanel de 2002 a 2005 mostra como se manteve relativamente estável o número dos internautas portugueses de 4 e mais anos que durante o ano acederam à internet a partir de casa, apesar de uma ligeira quebra de 0.4% em 2005 face ao ano precedente.
Em 2005, foram 1 584 mil os portugueses que acederam à internet a partir de casa, 97.1% do universo em estudo."
Ora em 2006 a média rondou os 2,5 milhões. É um enorme crescimento, não explicado. Até porque outros estudos dão números variados. A questão que aqui interessa é: nos estudos divulgados parece assistir-se a uma estabilização temporal dos acessos à Internet em Portugal. O que não é de admirar - não se pode crescer sempre mas...

A segunda nota: a estabilização dos acessos à Internet só admira quem nela navega normalmente. Ela existe mas não é explicada pelo Netpanel porque este se fixa no lar e as pessoas podem não querer ter Internet em casa quando a têm no emprego ou na escola.
Sem querer ser nostálgico e com a devida distância até por causa do tipo de acessos então disponíveis, recordo um texto publicado a 21 de Janeiro de 2002 (Computadores, suplemento do Público), intitulado "Surfar na Net para Regressar à Praia", que explica algumas tendências que se mantêm actuais (não tenho tempo para o editar pelo que vai na íntegra):

Enquanto uma organização pretende instituir o último domingo de Janeiro como um dia para os utilizadores se absterem de ligar à Internet, estudos demonstram que há quem cada vez mais faça exactamente isso todos os dias. "A Internet pode ser como a 'junk food' compulsiva: nunca se tem o suficiente do que realmente não se quer", afirma o compositor Brian Eno no sítio da Web www.internet-free-day.org , que pretende realizar o segundo dia livre da Internet, embora a organização recorra exactamente à Internet para divulgar o apelo.
Em alternativa, são referidos diferentes eventos internacionais para cativar os utilizadores a não se ligarem a 27 de Janeiro, tornando-o num "dia para fazer e estar no mundo real" - porque a Internet não é "um veículo para o isolamento social e uma visão estragada".
Segundo o Yankee Group, alguns utilizadores norte-americanos já fazem normalmente isso, como é o caso dos 7 por cento que optaram por não aceder à Internet no seu computador doméstico. Esta consultora refere que 69,7 milhões - 65 por cento - dos lares norte-americanos têm computador, pelo que haverá já qualquer coisa como 4,9 de utilizadores a abster-se de se ligar à Web em casa.
Para Lisa Melsted, analista do Yankee Group, citada pela "Newsbytes", uma explicação está relacionada com a disponibilidade limitada de linhas de grande débito no emprego ou nas escolas, onde "provavelmente estão mimados pela banda larga", explica. "As pessoas habituadas à banda larga não querem o serviço por telefone e não se consegue ter serviços de DSL ou modem de cabo em todo o lado". Melsted salienta que "mesmo os televisores e os telefones não se encontram em todos os lugares" e "algumas pessoas escolhem não ter certas tecnologias em sua casa" - razão por que o Yankee Group apenas prevê acessos domésticos em 70 por cento dos lares norte-americanos em 2005.
As razões apontadas para este desinteresse em casa são diferenciadas. Nas famílias que ganham menos de 25 mil dólares por ano, a principal relaciona-se com o elevado custo, apontado por 72 por cento dos entrevistados. Segue-se, a grande distância, a disponibilidade de acesso no emprego ou na escola (12 por cento), o não querer ocupar a linha telefónica (10 por cento), não querer as crianças na Net (6 por cento) e uns 4 por cento ainda salientam a dificuldade na sua utilização.
As famílias que ganham 75 mil dólares ou mais apontam igualmente a disponibilidade no local de trabalho ou na escola como o principal factor para não terem acesso doméstico (47 por cento), seguindo-se o custo (21 por cento), desejar manter livre a linha telefónica (12 por cento) e a dificuldade no uso, bem como o desinteresse pela Internet, ambas apontadas por 11 por cento dos entrevistados.
Neste último caso, a descoberta de desinteressados no uso da Internet não é nova. Em 1999, a Cyber Dialogue referia que 27,7 milhões de americanos pararam de usar a Internet (embora um terço pensasse voltar a usar), juntando-se aos 9,4 milhões de desistentes registados no ano anterior.
No estudo "Cybercitizen Sea Change: Declining Growth in U.S. Adults Online", a consultora apontava que a aparente desaceleração seria resultado de as famílias com maiores rendimentos já estarem ligados à Internet, enquanto as de baixos ou médios rendimentos estarem ainda a ligar-se mas não em tão larga escala como se esperava. Um terço dos inquiridos pela Yankee Group referia não necessitar da Internet para nada.
A tendência do "eles vieram, surfaram e voltaram para a praia" - como sintetizou Sally Wyatt, da Universidade de Amesterdão, em Outubro de 1999 -, estava relacionada não apenas com formas de exclusão social mas também com uma decisão voluntária, "raramente aceite", "da possibilidade de as pessoas fazerem uma escolha informada de não continuarem a usar a Internet". Ao invés de medo ou ignorância da tecnologia, estas pessoas recusam que o "acesso à tecnologia seja necessariamente desejável".
A autora citava o trabalho anterior, "Internet dropouts in the USA - the invisible group", dos norte-americanos James Katz e Philip Aspden, que, através de entrevistas telefónicas realizadas em Outubro de 1995, detectaram uma percentagem de 8 por cento de ex-utilizadores da Internet.
Segundo os autores, 33 por cento deixaram de utilizar a Internet por terem perdido o acesso físico a um computador (na escola ou no trabalho), 17 por cento por não terem tempo para usar a Internet, 10 por cento devido a problemas técnicos que os fizeram desistir e 7 por cento porque era demasiado cara, enquanto 3 por cento desistira por ter mudado ou perdido o emprego.
Em Novembro de 1996, Katz e Aspden repetiram o inquérito, e concluíram os utilizadores tinham aumentado 19 por cento mas os "ex" tinham também crescido para 11 por cento, sendo os jovens quem mais facilmente desistia de aceder enquanto os mais velhos eram quem mais se queixava das dificuldades de utilização e do custo. Os mais novos pura e simplesmente desinteressavam-se.
Em Portugal, a Marktest revelava em Novembro passado que 7,5 por cento dos indivíduos inquiridos afirmava ter acesso à Internet em casa mas não a usava por desinteresse, falta de tempo ou dificuldade.