10 abril 2007

À atenção dos jornalistas...

...que querem revelar dívidas fiscais de empresas, clubes ou pessoas: mesmo que seja verdade, isso constitui um atentado ao bom nome e reputação, segundo o Supremo Tribunal de Justiça:
Notícia verdadeira dá sanção: Supremo Tribunal de Justiça condenou o jornal ‘Público’ a pagar uma indemnização de 75 mil euros ao Sporting por ter divulgado que o clube tinha uma dívida ao Estado, desde 1996, de 460 mil euros.
Apesar de o teor da notícia ter sido dado como provado, ou seja, que existiu incumprimento das obrigações fiscais, os conselheiros da sétima secção cível do tribunal entenderam que o Sporting foi lesado no seu bom-nome e reputação.
É irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o seu crédito ou a reputação do visado”, lê-se no acórdão de 8 de Março, subscrito pelos conselheiros Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís.
O Sporting processou o ‘Público’, em 2001, mas, realizado o julgamento, os jornalistas foram absolvidos. O clube, então presidido por Dias da Cunha, recorreu da decisão e, em Setembro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão da primeira instância.
No entanto, após novo recurso, o Supremo veio agora contrariar as duas decisões anteriores. Apesar de o teor da notícia ter sido dado como provado, os conselheiros concluíram que os jornalistas agiram de “modo censurável do ponto de vista ético-jurídico”, entendendo que o direito à honra se sobrepõe ao dever de informar – decisão que deixou os responsáveis do jornal diário perplexos.
“Atendendo à ênfase que a Declaração universal dos Direitos do Homem dá ao direito à honra e à reputação, expressando que ninguém sofrerá ataques em relação a ela, no confronto com a menor ênfase dada ao direito de expressão e de informação, a ideia que resulta é a de que o último é limitado pelo primeiro”, lê-se no acórdão do STJ.

[act.:
1) Como é que o Público só dá esta notícia após ser publicada e comentada no Correio da Manhã? Foi apenas o primeiro a "linkar" o acórdão.

2) Atenção que a referida "notícia" é sobre uma actuação (não pagamento de dívida) que já não se verificava na altura da publicação do texto, segundo o documento do STJ (é aconselhável ler o texto todo), e que estava em sigilo fiscal. O jornalista escreveu "Segundo indicações recebidas pelo Público".
Seria bom o jornal re-publicar a notícia para se perceber do que falamos...

3) Como é que o STJ sabe que "cerca de 175 000 leitores terão lido a edição em causa", quando a média mensal de vendas na altura era de 74.500 exemplares?

4) Como chega o STJ a isto: "A conclusão é, por isso, no sentido de que percepção relativa ao conteúdo da mencionada notícia foi muito grande, mesmo não tendo em conta a divulgação do mesmo conteúdo por outros órgãos da comunicação social que dele se aproveitaram, certo que foi superior a cinco milhões o número de espectadores que o percepcionaram"? Cinco milhões?!?!? O "Portugal-Inglaterra foi o jogo mais visto de sempre", realizado durante o Euro 2004 e chegou aos seis milhões de espectadores. Apenas menos um milhão viu esta notícia sobre o Sporting?!?! (Sim, eu sei, acumulam as audiências mas é um erro!)

5) O Blasfémias tem perguntas pertinentes.

6) O Público teve um texto este sábado do seu advogado que pode elucidar sobre o recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:
Viva Arouca!
07.04.2007, Francisco Teixeira da Mota
A liberdade de expressão é, muitas vezes, maltratada no nosso país
"O panfleto que anda a ser profusamente distribuído (...) é uma vergonha. Uma vergonha que cobre de vergonha o primeiro signatário e autor do apelo que, de mentira em mentira, procura iludir a questão e os problemas (...). Mentindo sempre e mentindo quando disse que não tinha conhecimento do traçado (...), mentiu quando escreveu que uma modificação do projecto atrasaria a construção por mais quatro ou cinco anos (...). Não satisfeito com a sucessão de mentiras, veio agora afirmar que pediu ao presidente do Instituto de Estradas de Portugal que viesse ouvir-nos (...), quando o presidente do IEP vem a Arouca para cumprir a promessa feita a um conjunto de associações (...). Mentindo a tudo e a todos e manipulando politicamente as pessoas e os factos, arrasta neste chorrilho de mentiras pessoas e instituições que devia respeitar. (...)
Depois de tanta mentira e acrobacia mental, é bom que se diga, uma vez mais, que nunca ninguém se pronunciou contra a construção da estrada. (...) Só alguns tolos e outros tantos néscios se expõem ao ridículo de afirmar o contrário, convencidos que de mentira em mentira escondem os seus objectivos e redimem o seu servilismo. O primeiro signatário do panfleto vergonhoso o que pretende, mais uma vez, é manipular a população e inviabilizar o diálogo, criando um clima de confrontação que impeça a análise serena duma alternativa e a uns e outros o livre exercício da cidadania.
Acusando famílias possidentes, que nunca teve coragem de identificar, manipulando e mentindo com um despudor inqualificável, "matou" qualquer possibilidade de diálogo (...). Mais do que ninguém, o presidente da câmara, pelo seu comportamento intolerante e persecutório, é quem mais tem contribuído para que este problema fundamental não encontre o acolhimento e a solução que todos os arouquenses desejam. Mentiroso comprovado e assumido, tem agido sem respeito pela opinião livre e legítima de quem discorda, mas não está contra a estrada. (...). Sem nenhum respeito pelos arouquenses, a quem tem mentido sistematicamente (...)."
Este texto, publicado no jornal regional Defesa de Arouca, valeu ao seu autor, o José para todos os efeitos, uma condenação no tribunal de Arouca, pela prática do crime de difamação, a uma pena de 180 dias de multa e ao pagamento de uma indemnização ao presidente da Câmara de Arouca de 10.000 euros pelos danos morais. Para o tribunal o artigo era, no seu conjunto, ofensivo para o presidente da câmara, o qual, embora fosse um homem político, não devia por esse motivo ver diminuído o seu direito à protecção da honra. Apesar do conteúdo político da polémica em pano de fundo, o tribunal de Arouca considerou que o requerente tinha sido "excessivo" nas suas afirmações e que não era necessário usar as expressões em causa, nomeadamente "mentiroso completo e sem complexos", "falta de pudor inqualificável" ou, ainda, "intolerante e persecutório", não sendo necessário verificar se havia ou não um fundo de verdade nas afirmações do José.
Recorreu o José para o Tribunal da Relação do Porto, mas, também aí, não teve sorte. É certo que o montante da indemnização baixou para 4000 euros, mas para este tribunal o José "tinha agido dolosamente, ... não há dúvida que o arguido fez tábua rasa de tudo do que é lícito no âmbito da informação ou crítica para entrar no da difamação, prejudicando a imagem social e moral do (presidente da câmara) .... o escrito (do José) vai globalmente para além da discussão brava e da linguagem tensa ... consentida pelo embate de ideias e de partidos em lutas de poder. O (José) não podia ter sido absolvido".
O José levou o caso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em Estrasburgo, o nosso Tribunal Constitucional "de facto", queixando-se da violação pelas instâncias judiciais portuguesas do seu direito à liberdade de expressão garantido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Para o TEDH, embora a linguagem do José fosse provocadora e, no mínimo, "pouco elegante" para com o adversário político, a mesma tinha de se considerar admissível numa sociedade democrática, tendo em conta o ambiente de polémica política sobre uma questão de interesse público, sendo certo que o presidente da câmara também tinha atacado publicamente o José e as suas posições quanto à estrada. O TEDH lembrou uma vez mais aquilo que é muito esquecido nos nossos tribunais, que "os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a um homem político agindo na sua qualidade de figura pública do que em relação a um simples particular. O primeiro expõe-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos seus adversários políticos como pelos jornalistas e pela massa dos cidadãos, e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando ele se presta a declaração públicas igualmente susceptíveis de crítica".
E, assim, na sua decisão do passado dia 23 de Janeiro, o TEDH condenou Portugal por ter violado a liberdade de expressão do José, devendo pagar-lhe o que este tinha sido obrigado a pagar ao presidente da câmara acrescido da multa, porque não havia uma "necessidade social imperiosa", numa sociedade democrática, de punir o discurso do José.
Infelizmente, em matéria de liberdade de expressão, nos nossos tribunais estamos, em muitos casos, mais perto de uma qualquer aldeia do interior, num regime autoritário do século passado, do que da Europa democrática do século XXI. Advogado]

[act. 1: STJ: Público não foi condenado por publicar notícia verdadeira
A NOTÍCIA DO PÚBLICO NÃO É VERDADEIRA (via)]