Culturas, economia e política, tecnologia e impactos sociais, media, contaminantes sociais, coisas estranhas... Cultures, economy and politics, technology and social impacts, media, social contamination, weird stuff...
18 julho 2007
Um valente puxão de orelhas, com as novas tecnologias por fundo
O ministro Augusto Santos Silva recebeu ontem um enorme puxão de orelhas da comissária europeia para a Sociedade da Informação e Media, Viviane Reding.
Na conferência organizada pela Impresa e pela Rádio Renascença sobre os media na era digital, a comissária apresentou as actuais propostas de trabalho na Comissão para o sector mas não deixou de criticar medidas do actual governo português. O ministro responsável pelo sector acabou por fazer um extenso esclarecimento.
A comissária considera que a auto-regulação e a co-regulação devem ser estimuladas para a comunicação social e que "o governo não se deve intrometer na sua autonomia". É "uma regra-base da democracia europeia", insistindo posteriormente que "não posso intervir a nível nacional mas repito: nunca interfira com o conteúdo editorial, o código de conduta é da profissão, não do Governo". E propôs o lançamento de uma Carta da Auto-regulação que poderia ser apresentada a 3 de Maio de 2008, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. "Mas isso só com a aprovação do nosso Governo da auto-regulação", ironizou Pinto Balsemão, "patrão" da Impresa.
Neste capítulo, a comissária deu o exemplo dos videojogos, indústria à qual pediu um sistema de classificação claro (subestimando desta forma o "Pan-European Game Information" ou PEGI), também para a Internet. "Só se a indústria o não conseguir fazer é que a Comissão age". Também a nova directiva do Audiovisual sem Fronteiras "estimula a co-regulação", referiu.
Dirigindo-se a Santos Silva, explicou que "a Comissão Europeia não se intromete nos assuntos nacionais mas ajudar os 27 países a compreender o que se passa".
No debate posterior, o ministro dos Assuntos Parlamentares esclareceu Reding sobre os pilares que sustentam a liberdade de expressão em Portugal. O primeiro está na Constituição e defende os direitos dos jornalistas (independência ou acesso quase ilimitado a fontes), transparência, respeito pelo pluralismo e pela não concentração de meios - estes últimos ainda "não regulamentados" (algo que só deve suceder na próxima sessão legislativa).
A segunda nota foi sobre o direito dos cidadãos, que a liberdade de expressão deve respeitar, nomeadamente com o direito de resposta.
O terceiro pilar é "o que re-envia para uma autoridade reguladora externa ao Governo", a ERC.
Santos Silva explicou que "somos bons trabalhadores em paralelo" com o que está a ser feito na Comissão Europeia. "Há em Portugal indicadores legais do pluralismo", dado existir uma orientação nos jornais com a participação dos jornalistas (através dos Conselhos de Redacção, por exemplo), a expressão de diferentes opiniões (cuja extensão de obrigatoriedade a todas as correntes de opinião e não discriminação de ninguém o director do Expresso, Henrique Monteiro, se mostrou contra) e, finalmente, a independência dos responsáveis editoriais dos proprietários dos meios de comunicação.
Para Reding, no quadro da concentração de meios e pluralismo - área onde o ministro também vai intervir - existe uma "enorme confusão". Cada um diz o que quer sem entendimento num quadro-comum europeu. E anunciou o lançamento de um estudo independente para definir indicadores padronizados. Será editado no final de 2008 "e espero depois um debate sereno" até Junho de 2009.
A comissária lembrou ainda que o processo de "switch off" da televisão analógica para o digital - e consequente libertação de frequências do espectro - pode provocar um atraso no lançamento da TV móvel, cuja decisão deve ocorrer hoje em termos de adopção da norma europeia, "para ser mundial como ocorreu com o GSM" nos telemóveis. Portugal, cujo calendário aponta para 2012, "pode acelerar" porque "só os países que avancem rapidamente podem disponibilizar a TV móvel" para eventos como os Jogos Olímpicos ou o Euro de 2008. O mesmo se passa com a alta definição "mas isso cabe aos governos decidir".
As constatações da comissária foram claras. Por exemplo, as novas tecnologias têm mais funcionalidades e um preço menor e a interactividade serve para criticar os actuais media e também para produzir media. Ainda são poucos os produtores, concedeu: oito por cento no Second Life e quatro por cento na Wikipedia, do total de utilizadores, "mas é uma tendência que se está a desenvolver" e se deve estimular em nome da liberdade de expressão.
Lembrou ainda que, antes, as empresas de telecomunicações "achavam que podiam produzir conteúdos" mas com os novos media devem existir "acordos entre as partes", os produtores de conteúdos e as telecoms, juntar os novos e os media tradicionais.
"Os novos media serão a próxima geração de media", notou, e quando "todos somos produtores, precisamos ainda mais agora do que no passado de jornalistas", recordou a antiga jornalista. "Há muita informação em muitas plataformas e o cidadão normal necessita que escolham por ele", tanto mais que "não estão habituados a serem responsabilizados" pelos seus conteúdos. Assim, no Outono, vai sair um relatório sobre educação para os novos media, assunto que considerou crucial.
Outra questão coloca-se no campo dos direitos de autor quando "as novas gerações consideram que tudo é grátis" e "os criadores de conteúdos precisam de lucro". Para Reding, "é aqui que o legislador deve interferir, saber qual é o interesse público".
Um equilíbrio especial deve ser tido pelos decisores políticos em caso de atentados à segurança nacional. "Numa situação de crise, o ministro do Interior pode ter mais poder do que o ministro dos Media" pelo que "é necessário equilibrar as posições, não se impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho".
Finalmente, sobre o jornalista multiplataforma que trabalha para vários suportes, foi clara: "é uma questão que deve ser resolvida entre jornalista e patrão, existe a liberdade contratual e a Comissão não vai intervir, seria idiota" fazê-lo.