Quem vai defender as nossas liberdades?
No dia seguinte à tomada de posse, o novo governador do estado de Nova Iorque convocou uma conferência de imprensa, onde apareceu com a sua mulher, Michelle, onde admitiu que ambos tinham tido relações extraconjugais durante um período de crise do seu casamento.
"Há uns anos, traí o meu compromisso para com a minha mulher", disse David Paterson. "Não penso que tenha traído o meu compromisso para com os cidadãos do estado de Nova Iorque. Não transgredi nenhuma lei. Não penso que tenha traído o meu juramento como servidor público. Considero esta questão uma questão privada. Mas é um facto que ambos cometemos actos de infidelidade". [...]
Hoje o mundo está mais pequeno e quem espera manter os media fora da sua própria cama é suspeito de ter algo tenebroso a esconder e condenado liminarmente com base nessa suspeita. E tudo piorou com a guerra "contra o terror" que tornou admissíveis todos os abusos dos inquisidores em nome da "segurança".
O segredo não é uma característica do vergonhoso como defendem os inquisidores, mas um direito e uma condição da liberdade. Não é que tenhamos o direito de não responder a estas perguntas. Temos o direito de não ser interrogados sobre elas. Temos direito a que ninguém (na esfera pública) nos pergunte se dormimos com outra mulher ou outro homem. E temos o direito e o dever de combater o totalitarismo. O gesto de Patterson exigiu coragem, mas foi também um gesto de concessão ao que de mais venenoso existe nas nossas democracias. Se todos os políticos admitirem esta intromissão na sua vida privada, se admitirem aos rivais, aos media e aos vizinhos este escrutínio da sua esfera íntima, que valores defenderão? E que garantias nos dão de que irão defender as nossas liberdades, quando chegar a nossa vez?
[artigo de opinião de José Vítor Malheiros, não disponível online no Público]