Culturas, economia e política, tecnologia e impactos sociais, media, contaminantes sociais, coisas estranhas... Cultures, economy and politics, technology and social impacts, media, social contamination, weird stuff...
24 fevereiro 2009
O Google e os cágados
As empresas de media são geridas por empresários que não conhecem ou sequer gostam dos media. Foram um meio de promoção social ou puro negócio. A ideia de serviço público morreu nos anos 70 e não ressuscitou com a tendência da responsabilidade social.
Os empresários estão entre dois mundos, o da banca e outros financiadores a quem têm de devolver o retorno anual dos seus investimentos, e o público.
O primeiro é claro e linear: investe-se para ter lucro, material ou não - como ocorre nos meios como a RTP. Como se conhecem os investidores (Governo), não há conflito de interesses, apesar do financiamento para serviço público.
Os jornalistas eram o público mas são (eram) uns chatos, com os seus códigos e presunções e investigações que podem colocar em perigo até negócios das entidades investidoras na sua empresa.
Ninguém gosta de pagar a um empregado para ele lhe dar tiros no pé. E o que o público não descortina, não precisa de saber.
Genericamente, o modelo do jornalismo era simples: as empresas pagavam (a jornalistas, comerciais, administrativos, a impressão, o papel, a distribuição, por brindes) e recebiam (da venda de exemplares, da publicidade e de produtos associados).
O online veio baralhar as coisas. Na década de 90, para engordarem e irem para a Bolsa para valorizarem os seus "assets", as consultoras insistiram que as empresas de media tinham de apostar no online.
Poucos contrariados, outros por moda e alguns para complementar a sua cadeia de valor (quem detinha meios físicos de distribuição da Internet precisava de conteúdos), atiraram-se para o online.
Sem perceberem o meio, a aposta foi clara: os jornalistas seriam os mesmos para papel e online (ou mesmo rádio e televisão - afinal, era o jornalismo multimédia, com tempo e ordenado pago pela mesma empresa) porque os investimentos necessários em tecnologia já eram exagerados para os accionistas.
Como as universidades continuavam a despejar anualmente centenas de estagiários, foi fácil ocupar lugares no jornalismo online. O mito da redacção única (papel e multimédia) serviu para dar escassos exemplos mas sem triunfar na realidade.
Os críticos do modelo "fui contratado para o papel, não para a Internet" e alguns competentes foram chutados para cima (elevados ao seu nível de (in)competência?) e amaciados, despedidos ou abandonaram o jornalismo.
Quem se safou? Como na guerra, quem vendeu o armamento. Empresas de tecnologia, de telecomunicações, de consultoria, todas tiveram anos excelentes.
E o negócio do jornalismo online? Servia para apontar o futuro mas nunca agir no presente. Era novo, não se podia reclamar que desse retorno, diziam alguns.
Como se o jornalismo não fosse um negócio que tem de ser lucrativo para pagar a accionistas e trabalhadores...
Entretanto, a bolha dot-com estourou. Os primeiros sinais surgiram quando a Yahoo não cumpriu os objectivos prometidos, em 2000, desabando o edifício das promessas por concretizar.
No ano seguinte, surgiu a crise. A banca abrandou o financiamento das tecnológicas com modelos de negócio especulativos.
Nos media, feitos os investimentos tecnológicos, as redacções estavam estabilizadas, era aguentar, sem grandes reforços de pessoal ou dinheiro.
Agarrados ao papel, os empresários olharam com repugnância para o potencial do online que lhes havia feito perder dinheiro.
O antigo modelo estava perturbado pelo online - com a concorrência directa de jornais exclusivamente na Web - mas a publicidade e os leitores ainda sustentavam o papel.
Uns porque não conheciam o meio online, porque não antecipavam a sua evolução e nele não levavam a investir os anunciantes, e os outros porque não tinham acesso à Internet.
Os jornalistas de tecnologia - que, infelizmente, têm alguma sensibilidade para estas coisas - eram vistos como visionários. Alguns demonstraram mesmo projectos online mas, como a publicidade estava focada no papel, não tiveram muita sorte.
Entretanto, para comer do bolo publicitário, surgem os jornais gratuitos. Vistos inicialmente com desdém - afinal, quem iria comer bitoque oferecido quando havia bife do lombo pago? - demonstraram o que muitos sabiam ao fazer comparação de jornais: a maior parte das notícias provinha de agências e eram iguais em qualquer meio, pago ou não.
Depois, para comer do bolo da influência mediática, chegaram os blogues. Este facto não é inócuo.
Na história da Web em Portugal, houve sempre ligações fortes entre meios técnicos, media e personalidades.
Nas BBS, informáticos e jornalistas adoptaram o meio e estimularam-no em jornais como o Blitz ou no início do Público.
Jornalistas e um político como José "ciberdeputado" Magalhães divulgaram a Web.
Depois de adoptados por técnicos e jornalistas, Pacheco "Abrupto" Pereira generalizou os blogues e acelerou o número de bloggers, ou seja, de interessados na Web e, "obrigados" a debater a actualidade, nos meios de comunicação social.
O que sucedeu depois foi esclarecedor.
Os jornalistas e os investigadores de media discutiam em público problemas clássicos do jornalismo, até aí resguardados.
Sem pretensões por cumprirem códigos deontológicos ou de sigilo, os bloggers não jornalistas acusavam à vista desarmada qualquer ideia de erro de jornalistas ou de comentadores.
Os ataques eram feitos, obviamente, aos meios impressos de referência. O online e a rádio estavam mais protegidos, enquanto a televisão - cuja audiência mínima num Telejornal somava a totalidade de leitores de jornais - continuava imperturbável.
Esta fragilização do jornalismo impresso é acompanhada pela emergência dos provedores, externos alguns mas sempre internos ao meio, com a discussão pública das falhas dos jornalistas.
O fenómeno não era realmente novo nem criticável: desde o aparecimento das televisões privadas, os sectores da justiça ou da saúde foram criticados pelos media, expondo as suas falhas, com contribuições dos utentes.
Mas tanto num como noutro caso, tinham instituições como a Ordem dos Advogados ou dos Médicos que podiam defender certas práticas, em abstracto.
No jornalismo, sem Ordem, o Sindicato não estava mandatado para tal. Rapidamente, pelos erros de alguns, os jornalistas foram todos vistos como malandros.
Esta tendência facilitou a emergência do chamado jornalismo-cidadão, o entendimento de que todos podiam, afinal, ser jornalistas - esquecendo que alguém tem de pagar pelo trabalho. E, recorde-se, a publicidade online continuava a não dar sinais de pagar o que quer que fosse, nos media ou em blogues, enquanto decrescia a do papel.
Ora, de ilusão em ilusão, a tendência foi tão forte que até os medias a adoptaram, por interesse óbvio, quando surgiram alguns bons blogues, especializados e normalmente pagos por ordenados de outrém que não os media.
Enquanto os tais "cidadãos" forneciam conteúdos gratuitos, os meios ocupavam espaço sem grandes custos. Era o modelo televisivo gratuito das entrevistas ou até dos "reality shows" adaptado ao papel. Em paralelo, também os comentadores aumentavam de forma exponencial - comentadores que "comentavam" sobre o que os jornalistas escreviam. Confusos? Era (é) um modelo de negócio interessante.
Chegados a 2008 e à nova crise económica, os avisos sobre o descalabro dos media já era ensurdecedor sem que as administrações ou os departamentos comerciais tivessem descoberto - a sério - o online e as suas potencialidades.
Isto quando o valor perdido estava à vista, num segmento tão precioso como os classificados. Discretamente, apesar do sucesso externo de sites como o Craiglist, vários sites temáticos (do emprego aos automóveis, da tecnologia às viagens) tinham-se instalado, captando anúncios e alguma publicidade.
E o que preocupava então os patrões da imprensa? O Google News. O "motor de busca" não só soube agregar conteúdos em todo o mundo como desenvolveu um modelo sustentado de negócio de publicidade online paga!
A decisão judicial belga contra o Google News aumentou os egos, enquanto alguns jornalistas continuavam a chamar a atenção para o potencial do mesmo (e também do seu serviço de publicidade). Um modelo que o Sapo já tinha há anos e quando alguns jornais já exploravam os anúncios do próprio Google nos seus sites!!
O que os patrões fizeram então foi genial: para contornar que os jornalistas contratados para o papel quisessem ser pagos pela reprodução dos seus textos no online, apoiaram um decreto-lei que permite o uso dos textos em quaisquer meios durante um determinado período de tempo.
Esta lei retira aos jornalistas o direito de autor sobre as notícias do dia. Em resumo, qualquer notícia pode ser reproduzida sem qualquer pagamento.
A lei é óptima para os jornais reproduzirem as notícias do papel no online, é fantástica para as empresas de "clipping" viverem à custa das empresas jornalísticas e serem pagas por entidades como a Assembleia da República e ministérios para distribuírem fotocópias dos artigos que lhes interessam. Mas é inadmíssivel que o Google News faça o mesmo porquê?
Alegadamente, a discussão europeia baseia-se nesta constatação: as empresas jornalísticas ou de "clipping" têm pelo menos um jornalista no quadro, coisa que o Google não faz nem aparenta querer fazer. E com um jornalista no quadro, qualquer empresa, site ou blogue pode reproduzir ou agregar os textos da imprensa que bem entender.
E quando deixará de o fazer? Quando o modelo económico deixar de ser viável.
Algumas empresas vivem do clipping, outras querem apenas demonstrar uma plataforma tecnológica para venda a terceiros, nomeadamente media. Como o negócio é a tecnologia e os conteúdos são gratuitos, não precisam de se preocupar com o desenvolvimento de modelos de acesso pago ou procura de publicidade para o papel e online.
É nestas confusas áreas que se movem os jornais, que também parecem apáticos no desenvolvimento de novos modelos de negócio, depois da boa colheita na venda dos produtos associados.
Durante anos, fomentaram o acesso online gratuito para conseguirem visualizações e correspondente publicidade que pouco dinamizaram.
Depois fecharam o acesso aos conteúdos do papel, tornando-os pagos, para regredirem e abrirem tudo excepto os textos dos comentadores, dando a ideia de que vale a pena comprar o jornal não pelas notícias mas pelos comentários.
Outros, semanários, dão acesso alguns dias depois da edição. Alguns diários desvendam os textos mas bloqueiam o acesso à sua totalidade. Quem quer, compra a edição em papel. Facilmente, estes podem evoluir para a aquisição online.
Este é o modelo que mais facilmente defendo, a par com modelos híbridos que não vou abordar aqui.
Os micropagamentos não são "amigáveis", um jornal como fundação pode existir mas dificilmente em Portugal, e a desculpa de que os leitores se habituaram ao gratuito não pega, como referi no caso da música no iTunes.
A diferenciação de conteúdos pela qualidade, exclusivos no papel ou no online pago, demonstram que um título investe nessa qualidade e acredita nisso, numa relevância e dianteira que os outros não conseguem acompanhar e só reproduzir. Se o que obtenho é igual num qualquer meio, e depois reproduzido na rádio ou na televisão - por vezes sem sequer a citação da fonte, porque não é preciso -, porque raio hei-de pagar por papel para o lixo ou por bits que tenho num ecrã ao lado?
O que nos leva de novo às empresas e à publicidade.
No primeiro caso, a crise económica está a "apertar" as empresas, pelo que as soluções têm de ser cautelosas e inteligentes: "The problem for newspapers is that their difficulties are more secular than cyclical, so that even if the economy gets better, a lot of the increased advertising that results won't be going to newspapers," [analyst Dave Novosel at Gimme Credit] said.
Another problem is that as newspapers try to dig themselves out of a hole, they must try radical approaches, but nothing too radical - or they risk alienating their remaining subscribers. Going to an online-only model, for instance, would obviously cut down on overhead, but in the short-term, the resulting loss of all print revenue and paid circulation might be enough to destroy what's left of creditors' patience".
Quanto ao modelo de associação no Sapo para anúncios, a discussão está esclarecedora aqui mas deixa-me uma dúvida, consistente e de há anos: porque raio não se juntam estas empresas demedia na partilha de conteúdos mas só de anúncios?
[escrito à pressa, com lacunas e sem links, que tentarei colocar mais tarde. agradecem-se contribuições e críticas. imagem daqui]