Há quem considere que a actual vaga de despedimentos de jornalistas vai atirar com um enorme conjunto de pessoas conhecedoras de variadíssimos temas para os blogues ou para outras formas de divulgação pública em que a verdade triunfará.
A lógica é simples: libertados das “grilhetas”, esta “gente que não se verga” vai inundar o espaço mediático, ser um enorme "exército de verdade" que vai pegar “nas armas-canetas e, com elas, [fazer] tremer o chão e [desmoronar] edifícios que parecem sólidos, mas que não passam de castelos de cartas”.
As citações são de Carlos Robalo, aplaudido no Facebook pelo texto “JORNALISTAS LIBERTADOS - O perigo da verdade à solta”. Paulo Querido prolongou a ideia em “Jornalistas no desemprego: do excesso de mão de obra ao perigo dos independentes à solta”.
Pois eu não concordo que isto vá acontecer.
Nem sequer um assomo de verdade deste exército será visto nos próximos tempos, sem que um patrão os venha buscar para lhes pagar e eles voltarem a escrever com grilhetas. Porquê?
Porque se esta gente não escreve a verdade quando é paga, é fora desse ambiente que vai escrever todas as verdades? Concedamos que sim, foram maus profissionais que se vergaram e estão arrependidos. Mas se esta gente não luta pela verdade quando tem vencimento, porque o fará em situação de carência quando tem de procurar por meios de subsistência e não se pode permitir criticar qualquer potencial patrão?
Há aqui uma lógica que me escapa. Posso estar – e espero muito estar – errado, mas sobre o resultado disto podemos falar daqui a três ou a cinco anos. Apesar do incentivo a que façam algo, que eu partilho, jornalistas libertados são jornalistas no desemprego – e isso interessa a muita gente.
Veja-se, por exemplo, o bom texto na penúltima edição do Expresso sobre como o “PSD faz tiro à comunicação social”. Entre outras demonstrações de como os deputados – neste caso do PSD – entendem o que é a liberdade de imprensa em democracia, foi proposta a criação de novas leis de imprensa – como se não existissem já suficientes - e um registo de interesses para os jornalistas – com o qual concordo há muitos anos mas não aprovado por uma maioria parlamentar apenas por vingança contra as revelações de que a Assembleia da República parece a Grande República do Oriente…
Onde estiveram os jornalistas para confrontar o PSD com as seguintes declarações, para se inquietarem? Será que concordam com o seguinte: “A deputada Carina Oliveira foi mais longe [na transparência para a comunicação social] e lembrou que, se os deputados têm o poder de legislar, devem fazê-lo, mudando o Estatuto dos Jornalistas: ‘Sou a favor de alterações no registo de interesses, não dos deputados, mas dos jornalistas.” Foi muito aplaudida, relatam as nossas fontes”, nossas do Expresso. Mas o que quer a senhora engenheira civil? Algo como isto para os jornalistas - ou seja, nada.
Perante isto, ninguém – dentro ou fora dos jornais, que eu tenha visto - confrontou a senhora que as leis em democracia não são feitas porque os deputados podem mas porque são precisas para o país. País que “precisa de quem saiba ver para além da borrasca, para além das miudezas das páginas dos jornais”, como dizia a senhora quando andava por Ourém a citar Almada Negreiros.
É só um exemplo de como vozes sem grilhetas não são necessariamente um exército da e para a verdade.
Imagem deste "silêncio... incomoda?"