Ontem, na RTPN, Proença de Carvalho e Carlos Amaral Dias defenderam que os meios de comunicação social deviam divulgar a sua orientação política, por uma questão de transparência.
Esta questão é recorrente - nomeadamente quando se aproximam eleições - quando nos anos pós-25 de Abril de 1974 se defendeu precisamente o contrário. Tenho sérias dúvidas sobre isto mas vamos aceitar que é uma boa e genuína intenção:
1) lá fora, em países mais e muito modernos, o "publisher" ou "editor" decide e divulga a orientação política do meio de comunicação social. Cá, teríamos Pinto Balsemão a definir a orientação de todos - e ainda são alguns - títulos da Impresa, do Expresso à Caras ou da SIC à revista Telenovelas. Paulo Fernandes faria o mesmo para os títulos da Cofina, do Correio da Manhã ao Record. Joaquim Oliveira decidia do Diário de Notícias ao Jogo qual o partido a apoiar. A família Azevedo decidia sobre o Público, enquanto a Igreja Católica olhava para a Rádio Renascença e outros meios católicos. Guilherme Costa mandava na RTP e RDP, com a Lusa por arrasto. A Media Capital pedia instruções a Espanha sobre que partido português colocar em destaque. Todos os outros "publishers", das pequenas edições em papel às pequenas posições online, do ecrã ao rádio no automóvel, teriam os patrões a dizer e a revelar publicamente qual a facção a apoiar. Brilhante. Impossível?
2) pode dizer-se que a nomeação do director faz exactamente isso - embora sem a requerida divulgação pública. É a administração dos meios de comunicação social que contrata o director para um cargo de confiança - jornalística, económica, política. A solução é então ser o director a definir a orientação política do meio de comunicação social sob a sua batuta. Mas...
3) dificilmente, até pela circulação de directores, editores e jornalistas (agora mais contida), é possível o director dizer que o jornal vai passar a ser de direita quando herda jornalistas de esquerda. Nos cargos de confiança (editores, subdirectores), pode não ser difícil nomeá-los mas vai despedir os que são contra a sua facção política? A administração aprova essa medida?... As redacções são tão politicamente multifacetadas que o director dizer que o jornal é de direita quando tem jornalistas com pendor de esquerda só pode dar para o torto - literalmente.
4) esta visão acarreta uma outra de que um jornal é só política ou só serve para fazer política - e é profundamente errada mas infecta o discurso sobre os media em geral. Deixando de lado as secções da própria política, da economia ou da sociedade (mais próxima do poder autárquico), o efeito de uma declaração do "publisher" ou do director numa direcção política degeneraria igualmente numa politização de todas as outras secções (porque nâo?), do desporto à ciência e tecnologia (onde existe...) ou à informação útil como a meteorologia (as maleitas atmosféricas no país seriam culpa de ventos do país da esquerda ou do oceano da direita consoante a posição do leitor e da política do jornal, por exemplo). Numa revista de vinhos de esquerda, teríamos só recensões a líquidos do Alentejo, por suposição? Numa revista de automóveis com tendências sociais-democratas, só eram analisados carros alemães?
5) este tipo de posição não só não é novo como já teve exemplos concretos que ajudam a entender o que se pode vir a passar. Alguns exemplos são os extintos Semanário, O Dia, O Liberal ou A Capital, exemplo forte na direcção de Luís Osório no pendor socialista ou anti-Bush.
6) ora se os exemplos de declaração política da linha editorial têm este impacto no negócio dos media, porquê defendê-lo? Por interesse pelos interessados? Mas então, porque razão o leitor/telespectador/ouvinte não procura os meios de comunicação marcadamente políticos que lhes interessa? Porque razão o Avante, o Acção Socialista, o Povo Livre e outros não têm uma audiência espectacular, eles que não precisam de declarar ao que vêm porque já se sabe?...
Em resumo, de cada vez que ouço defender a politização dos meios de comunicação social, parece-me - e é defeito meu, obviamente - que alguém deseja acabar com o que resta da media minimamente decente que ainda temos. E por isso não percebo, sinceramente, o que querem duas pessoas como Proença de Carvalho (ex-director da RTP e ex-candidato ao quarto canal de televisão) ou Amaral Dias (colaborador do Expresso, pelo menos) com este tipo de opinião. Mas, re-afirmo, é falha minha. Eles não desejam propaganda, uma outra coisa que pouco tem a ver com comunicação social séria. E que funciona assim: