Agora que a poeira assentou, podemos falar calmamente?
José Vítor Malheiros escreveu um artigo (A dívida existe mesmo?) que obteve uma resposta do Blasfémias (O José Vítor existe mesmo?) sobre a dívida pública nacional.
O artigo e as questões do colunista do Público não foram tão maus que, como alguém disse nos comentários no Blasfémias, originaram respostas de alguém que parece saber do assunto - e que não eram facilmente encontradas em mais lado nenhum pelo cidadão comum.
No entanto, a maioria das respostas atira novamente o assunto para o domínio dos deuses económicos, com uma leve "nuance" de que é assunto dificilmente acessível aos "ignorantes".
Um exemplo: "pagar a dívida pública urgentemente é impossível. Para a pagar em 10 anos, precisávamos de um superavit de 12,5% ao ano. Para a pagar em 20, precisávamos de 6 e qualquer coisa por cento. Estamos muito longe de a poder pagar “urgentemente”. O que está em causa é, tão só, fazer com que a dívida não engorde mais e para isso, precisamos de conseguir atingir uma meta extremamente difícil: défice zero". Porquê?
Tal e qual como os "ignorantes" dos empresários com a TSU, há outros que precisam deste tipo de discurso descodificado - principalmente quando são quem paga essa dívida e não lêem jornais económicos. Tal como se defende a divulgação científica para ajudar a permear a ciência na sociedade, que tal facilitar a divulgação económico-financeira?
O facto de, como diz José Vítor Malheiros nos comentários no seu blogue, haver "grupos como a Iniciativa de Auditoria Cidadã a Dívida Pública ou o Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa - onde se encontram muitos economistas - [que] tentam fazer esse levantamento com êxito muito limitado" também não ajuda. A falha pode ser desses economistas.
Por tudo isto, o mais importante do artigo não foi atiçar o debate entre economistas ou para-economistas. Foi lembrar uma promessa, de um aspirante a primeiro-ministro em Maio de 2011, que então dizia: "O que quero é que haja transparência. O que precisamos é de mais transparência na vida pública".
O que era pedido no artigo também era simples: "Para começar, quanto devemos exactamente e a quem? Alguém já viu a lista das dívidas? Quem a certificou? Quem a auditou? Quem são os credores? E devemos de quê? O que comprámos? O que pedimos emprestado? Em que condições? Quando? Quem pediu? Quem recebeu? Onde e quando? Para onde entrou o dinheiro? Para que serviu?"
Sim, eu sei: RTFM, vai ler o Orçamento de Estado dos últimos 25 anos. Sim, eu sei, vai ler os orçamentos municipais e os (atrasados) relatórios do Tribunal de Contas, os Relatórios e Contas das empresas das PPP e dos hospitais e...
Obrigado, não é isso que quero nem desejo a qualquer ser humano, uma sociedade do século XXI a ler documentos em formato do século XV.
Como já todos sabemos que a culpa do défice é do centralão, a proposta que deve surgir em nome da transparência do Estado é outra. Por exemplo:
1) divulgação da contabilidade analítica que foi entregue à troika para se atingir o valor de 78 mil milhões de dívida;
2) divulgação detalhada das dívidas e encargos municipais, até porque com as eleições autárquicas em 2013 elas podem servir de arma de arremesso político entre candidatos, com vantagens para quem tem acesso a essa informação;
3) uma folha de merceeiro honesto com o deve e haver, actualizada regularmente, sobre a dívida à troika, bem como os encargos paralelos.
Em nome da transparência, para podermos olhar e comparar rapidamente do que falamos quando falamos de dívida e de cumprimento e de desespero e de esperança. Ah, e algo mais simples do que o relógio da dívida pública dos EUA (mas se não puder ser, que venha assim):