"Todos os dias, os canais de televisão e os meios de comunicação social em geral, sem qualquer destaque, utilizam conteúdos protegidos, sejam eles autorais, informativos ou outros, sem nada pagarem em troca. A arbitrária utilização desses conteúdos serve essencialmente como suporte à difusão de mensagens publicitárias, essas sim a verdadeira e choruda fonte de receita para as empresas que gerem esses canais de televisão.
A palavra é dura, mas não há outra para definir este processo: pirataria. Essa pirataria está a levar grandes operadores de vídeo na Internet a radicalizarem legitimamente as suas posições, por estarem conscientes do prejuízo que lhes é causado, ameaçando postos de trabalho e a própria sobrevivência dos autores em geral. As vantagens quotidianas dos canais informativos não estão em causa, mas sim o modo abusivo como utilizam conteúdos que não lhes pertencem e que não remuneram".
Se, como fiz, alterar os primeiros parágrafos do artigo do presidente da Sociedade Portuguesa de Autores neste "Google: quem o favorece e porquê?", é exactamente isto que está a suceder com, por exemplo, o YouTube e a cópia descarada de vídeos para emissão televisiva com a simples menção de autor como sendo o YouTube... - e de que a mais descarada versão são os programa do tipo "Apanhados", feitos apenas à conta de vídeos online que não pertencem aos canais de televisão...
Ou seja, parece que os autores, para José Jorge Letria, só estão num dos lados da pirataria. Os autores que colocam vídeos no YouTube não têm direitos. Mesmo que sejam canais de televisão nacionais que colocam os seus conteúdos numa plataforma de vídeo online que pertence à Google com quem litigam. Estamos conversados sobre incoerências de defesas e de negócio.
Mas há mais neste artigo de Letria: é estranho um autor como ele - e que sabe muito do valor das palavras ou, pelo menos, sabe um pouco do valor das palavras... - citar uma entrevista em que muda o que ali é dito, mesmo que sejam pormenores como dizer que é "muito estranho" quando o entrevistado diz ser "um pouco estranho".
Da entrevista citada a Levine, é isto que diz o entrevistado:
"Levine - Uma das coisas de que eu gosto sobre a Europa é que, quando os EUA não regularam a Microsoft, a Europa o fez. Quando os EUA não regularam a Intel, a Europa o fez. Não acredito que os EUA vão regular o Google. Porque eles são muito próximos de Obama.
Folha - Google e outras empresas de tecnologia têm feito encontros e jantares com Washington ultimamente.
Levine - O Google doa muito dinheiro para Obama. Eric Schmidt [executivo do Google] foi um sério candidato a secretário do Comércio. Como você pode ter um secretário do Comércio que pensa que tudo deve ser grátis? É um pouco estranho".
Na realidade, dessa entrevista de 2011 (!) mal citada em 2014, o que Levine diz é acreditar que a Google pode ser travada na Europa. Mas não é isso que se depreende do escrito de Letria, numa altura que a Europa quer travar a Google...
Por fim, não defendo nem nunca defendi a posição unilateral como a Google tem gerido o processo Google News. Tem feito avanços, discretos e consoante a pressão dos países, o que pode justificar essa discrição - mas é insuficiente e tem sido um processo demorado. Mas também não alinho em posições bacocas e tardias num momento - que Letria não pode desconhecer - em que a Google anda a falar com os responsáveis portugueses sobre este assunto. E em que ele toma partido público por parte de alguns editores e autores, mas não de todos...