Não só os blogues já existiam - e a Maria João sabe disso :)) - como a amplificação sobre a cópia privada não foi de nível zero.
Republico dois textos meus que surgiram no suplemento Computadores, do Público, em Março de 2004, sobre o que se estava a aprovar a nível europeu sobre o assunto (estas são as versões dos textos não editados e não verifiquei se os links estão ainda activos). E não me lembro se outros media escreveram sobre o assunto.
Proposta de directiva
sobre propriedade intelectual vai a votos em Estrasburgo
Protestos pela ausência
de debate público
Um conjunto de entidades
internacionais que pugnam pelas liberdades individuais e direitos do consumidor
reúnem-se, na tarde desta segunda-feira, 8 de Março, em frente ao Parlamento
Europeu, em Estrasburgo, para reclamar a rejeição de uma directiva sobre a
propriedade intelectual.
O objectivo é o de chamar
a atenção dos eurodeputados para a votação final da directiva comunitária sobre
a aplicação dos direitos da propriedade intelectual, prevista para amanhã no
Parlamento da União Europeia e que hoje deverá estar em debate. Pretende-se
salientar o "tratamento excessivo de utilizadores e consumidores por
violações menores e não comerciais" que a proposta da directiva (ver em
www.ipjustice.org/CODE/021604.html) pretende punir.
A directiva tem a
oposição da Campaign for an Open Digital Environment (ver
www.ipjustice.org/CODE ), que inclui organizações como a IP Justice, a European
Digital Rights, a Foundation for Information Policy Research ou a Foundation
for a Free Information Infrastructure. No essencial, objecções baseiam-se no
facto de os utilizadores serem tidos como infractores com intuitos comerciais
mesmo que efectuem cópias com objectivos pessoais e não lucrativos.
Reclamando que a proposta
de directiva foi reescrita à revelia da opinião pública desde a sua primeira
versão, de Janeiro de 2003, pela relatora francesa Janelly Fourtou - e agora
apressada para votação em poucos dias após as emendas efectuadas pelo plenário
do Parlamento Europeu, "sacrificando" assim uma consulta pública mais
alargada -, os opositores apresentam várias razões para a rejeição da proposta
de directiva.
A primeira aponta a sua
abrangência, que deveria centrar-se apenas em infracções de intuito comercial,
retirando dela certos tipos de direitos de propriedade intelectual, como as
patentes. Por outro lado, faltaria uma definição clara - que não existe nos
Estados-membros da União Europeia - sobre direitos de propriedade intelectual.
A igualdade de tratamento
de consumidores e empresas é igualmente reprovada: "A directiva permite
aos advogados de Hollywood contratarem forças de segurança privadas para
invadirem as casas dos alegados infractores", refere a IP Justice, mesmo
que não existam motivos financeiros ou quaisquer benefícios. Isso será
igualmente suficiente para os alegados detentores dos direitos de propriedade
intelectual solicitarem a um tribunal o "congelamento" das contas
bancárias dos alegados infractores, bem como a obtenção dos dados pessoais de
utilizadores de redes de partilha de ficheiros ("peer-to-peer" ou
P2P).
Ainda no âmbito desta
directiva, segundo a mesma organização, os fornecedores de acesso à Internet poderão
ver os seus servidores e outros equipamentos apreendidos ou destruídos sem
qualquer audiência judicial por via de uma má utilização perpetrada pelos seus
clientes. Por fim, considera-se que directivas com esta importância deveriam
ter um debate mais alargado e público. A Foundation for Information Policy
Research - que disponibiliza um histórico da preparação da directiva em
www.fipr.org/copyright/ipr-enforce-plenary.html - considera que se trata de uma
lei que "terá consequências sérias no desenvolvimento da Sociedade da
Informação na Europa".
Uma semana depois, o mesmo Computadores regressou ao assunto com este texto:
Entre a pressa na votação
e a suspeita de conflito de interesses da relatora
Directiva sobre
propriedade intelectual aprovada no PE
A proposta de directiva
relativa às medidas e aos procedimentos destinados a assegurar o respeito pelos
direitos de propriedade intelectual foi aprovada na semana passada no
Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo, apesar das manifestações contrárias -
nomeadamente por a relatora do documento ser parte interessada na sua
aprovação.
Uma votação de 330 votos
a favor, 151 contra e 39 abstenções determinou que, agora, a legislação apenas
possa sofrer modificações ao nível do ajustamento nacional pelos 15 países da
União Europeia mais os 10 futuros membros.
O texto da proposta foi
debatida e votada no PE praticamente sem debate público, sem direito a uma
"segunda volta" (ver "Protesto pela Ausência de Debate
Público", na edição anterior de Computadores) e sobre a relatora francesa
Janelly Fourtou surgiu a suspeita de conflitos de interesse por ser esposa de
Jean-René Fourtou, "chief executive officer" da Vivendi Universal,
tendo esta directiva um impacto directo no sector do entretenimento.
Os críticos da directiva
comparam-na a uma versão "mais dura" da lei norte-americana Digital
Millennium Copyright Act (DMCA), ao abrigo da qual têm surgido problemas com
criadores de "software" e é usada pela indústria discográfica para
perseguir utilizadores que trocam ilegalmente ficheiros musicais. Mas a
legislação europeia "faz o DMCA parecer uma brincadeira de crianças",
afirmou à Reuters um executivo de uma empresa da Internet. Os Estados-membros
têm agora 24 meses para adoptar a directiva.
Esta, no entanto, não se
destina apenas à indústria do entretenimento ou aos "downloads" de
músicas ou filmes, pois visa igualmente punir as contrafacções de CD, DVD,
roupa, malas ou medicamentos. A directiva permite às empresas revistar casas ou
pedir aos tribunais o congelamento de contas bancárias para a protecção de bens
com marcas registadas que tenham sido falsificados ou roubados. No caso dos
"downloads", os consumidores que agirem de "boa-fé" e
apenas para seu uso, e sem prosseguirem fins comerciais directos ou indirectos,
são deixados em paz. A lei pode igualmente ameaçar a liberdade de expressão em
países "como a Espanha, que inclui informação confidencial na definição de
propriedade intelectual", referiu a BBC.
O documento prevê que os
sectores do entretenimento possam vir a acusar os consumidores por infracções
pelo uso não comercial de certos direitos de propriedade intelectual - afirma a
IP Justice, uma das entidades que se opõem a esta legislação. Para a Foundation
for a Free Information Infrastructure (FFII), o Parlamento Europeu não forneceu
qualquer justificação para que consumidores que façam uma cópia privada única
possam ser levados a tribunal.
Preparada ao longo de
quatro anos, a lei permite ainda que os fornecedores de acesso à Internet
divulguem informação pessoal sobre os seus clientes aos sectores do
entretenimento pelo uso de redes de partilha de ficheiros (as chamadas
"peer-to-peer" ou P2P). Segundo a FFII, permite-se ainda buscas
domiciliárias bem como o congelamento de contas bancárias sem necessidade de
uma audiência em tribunal - bastando a autorização de uma vaga "autoridade
judicial competente" -, apesar de estar previsto apenas para "casos
sérios".
Uma das mais veementes
críticas à directiva atinge a sua proponente, Janelly Fourtour, por ter
interesses directos no assunto. Aliás, a mesma crítica foi efectuada quando ela
foi uma das promotoras das patentes sobre o "software" na Europa.
Sendo Fourtour casada com o director executivo da Vivendi Universal, um grupo
empresarial interessado nestes assuntos, deveria ter-se mantido à margem destas
questões - afirmam os críticos.
Na sua intervenção no
plenário europeu, Fourtou salientou que, "no momento em que os actos de
falsificação e de pirataria progridem exponencialmente, é vital para a nossa
economia dotarmo-nos dos instrumentos necessários para assegurar o respeito
pelos direitos de propriedade intelectual". A pirataria e as falsificações
de bens custaram à União Europeia quase 8 mil milhões de euros anuais entre
1998 e 2001, segundo dados da Comissão Europeia.
Por outro lado, os novos
países-membros serão obrigados a adoptar uma directiva sobre a qual não se
puderam pronunciar. "Não haverá um segundo debate no Parlamento Europeu,
que é o normal para estas leis, pelo que a legislação será aprovada antes da
expansão da União Europeia, a 1 de Maio", referia a IDG News Service.
A justificação dada por
Fourtou para este "processo original" foi no sentido dos
"imperativos do calendário e da urgência, face ao alargamento, em
assegurar uma legislação harmonizada, permitindo fazer respeitar paralelamente
os direitos de propriedade intelectual, a inovação e a criatividade nos 25
países da Comunidade".
No caso português, a
votação no Parlamento sobre a emenda ao texto de Fourtou sobre a abrangência da
contrafacção não se limitar apenas a objectivos comerciais obteve posição
desfavorável dos eurodeputados comunistas Ilda Figueiredo e Sérgio Ribeiro e
dos socialistas António Campos, Maria Carrilho e Paulo Casaca.
Em sentido contrário e
pela abrangência da directiva a todos os actos de falsificação ou pirataria
votaram os sociais-democratas Teresa Garrett, Regina Bastos, Raquel Cardoso,
Carlos Coelho, João Gouveia, Sérgio Marques, Vasco Graça Moura e Pacheco
Pereira, os socialistas Luís Marinho, Manuel Santos, Mário Soares, Sérgio Sousa
Pinto, Helena Torres Marques e Joaquim Vairinhos, e Ribeiro e Castro, do
CDS-PP.