Culturas, economia e política, tecnologia e impactos sociais, media, contaminantes sociais, coisas estranhas... Cultures, economy and politics, technology and social impacts, media, social contamination, weird stuff...
24 janeiro 2017
Como a CIA via Portugal a 26 de Abril de 1974
Em memorando, Kissinger explica a Nixon que o 25 de Abril ocorreu devido às "políticas africanas de Lisboa e a divisões dentro dos militares". Estes, agrupados no MFA, eram "virtualmente desconhecidos, mas são quase certamente oficiais de nível médio devotados ao general António de Spínola".
"Soberbamente organizados e bem liderados, os insurrectos tomaram o governo pela surpresa". Spínola era apontado como próximo Presidente da República, tendo um "tal prestígio que, apesar das divisões nas forças armadas, ele poderá mantê-las sob controlo".
"A reorientação de Portugal fora de África e para a Europa pode ser traumática" mas os EUA não esperavam problemas com Spínola, até porque o golpe de Estado "não colocou os interesses dos EUA em perigo" e podia mesmo ter benefícios a curto prazo, como diminuir "a pressão portuguesa por armas dos EUA para uso nos territórios africanos".
A síntese de Kissinger é baseada num documento do National Security Council, de 26 de Abril, enviado pela CIA a Brent Scowcroft, National Intelligence Officer, onde se explica como, com a excepção da Guiné, "as províncias africanas" ofereciam retorno económico a certos grupos económicos em Portugal, nomeadamente "grandes corporações na metrópole, detidas por umas poucas poderosas famílias, que controlam virtualmente todos os aspectos dos sectores económicos modernos dos territórios, incluindo a indústria local, comércio, banca e plantação agrícola". A situação vinha desde Salazar ou antes, com "um grupo de talvez 40 famílias" a controlarem o poder económico e a terem "um papel decisivo no exercício do poder político", através desse "controlo da economia, propriedade dos media, representação nos corpos legislativos e a sua ligação próxima com responsáveis governamentais de topo".
Como a situação em África era lucrativa para estes "astutos homens de negócios", muitos deles opunham-se a uma saída de Portugal - apesar das operações militares custarem vidas humanas e muito dinheiro. De 1961, quando Portugal tinha 84 mil soldados, apenas 30 mil estavam em África. Em 1973, esses números tinham escalado para 216 mil, com 150 mil destacados para solo africano, com um registo de cerca de 400 mortes. "Apesar de cerca de 60% destas forças serem [desses] territórios - a maioria negros -, o serviço militar causou uma escassez de mão de obra, agravada pela emigração" de jovens portugueses para a Europa.
Do lado financeiro, se os custos em 1960 chegavam aos 105 milhões de dólares, em 1973 eram mais de 521 milhões. Estas "despesas em defesa representaram 27% em 1960, 45% em 1966-68 e 30% em 1973".
O relatório aponta o lançamento a 22 de Fevereiro de 1974 do livro de Spínola, "Portugal e o Futuro" (defendendo uma comunidade lusitana de Estados), e "evidentemente com o apoio" de Marcelo Caetano, como o início da crise.
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