CronoBlogologia de apanhados sobre o evento Eduardo Cintra Torres-RTP, com alguns comentários:
20.08.06 (dia de publicação do texto)
GRAVE, MUITO GRAVE [1151] -- «[A]s informações de que disponho indicam que o gabinete do Primeiro-Ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates», refere Eduardo Cintra Torres (PÚBLICO, 20.8.2006: 47).
Sócrates manda (directamente) na Informação da RTP e ordena censura? o Parlamento hoje abriria um inquérito parlamentar, Sócrates teria de se explicar (provavelmente na RTP, que é sua), e o país estaria incomodado com o regresso ao fascismo do lápiz azul.
A BRIGADA ANTI-FOGO [dos comentários:] É realmente verdade, tanto quanto me foi dito por «fonte segura e próxima» ;)
Na realidade, houve um encontro de António Costa com os responsáveis de todos os canais, visando que as imagens fosse reduzidas ao mínimo e com o argumento de que provocariam fenómenos de imitação pelos pirómanos.
Tanto quanto sei, as tvs concordaram e a verdade é que as imagens de fogos este ano praticamente desapareceram das Tvs.
21.08.06
Ignições : aguardam-se desmentidos, confirmações, provas, inquéritos (de preferência não-urgentes, para serem mais rápidos....), processos por difamação, etc.. Enfim, qualquer coisa. Menos o silêncio.
Perplexo e triste: Li ontem e esperei hoje para ver no que dava: repito, é uma acusação muito grave. Mas, hoje, só o 24 Horas pega no assunto, anunciando a vontade de Luís Marinho em processar ECT.
Das duas, uma: ou ninguém leva a sério o que diz ECT (e isso é grave para a credibilidade do próprio e para o Público, jornal onde escreve e que, assim, é o primeiro a ignorar o potencial noticioso de uma acusação como esta) ou o jornalismo português está pior do que eu imaginava. Lamento, em qualquer dos casos.
Censura? Além da blogosfera só o 24 horas se interessou pela acusação de Eduardo Cintra Torres na crónica de ontem no Público. Os jornais de referência não dão sequência ao caso. Luis Marinho, o director de informação da RTP, diz (ao 24 Horas) que a sua vontade é processar o "mentiroso encartado" prometendo para hoje um comunicado.
22.08.06 (dia em que os jornais pegam na notícia)
Certas e determinadas coisas? [ECT] Põe-se portanto a jeito para ter de responder perante a justiça se "as informações de que dispõe" não aparecerem para sustentar os seus factos e também perante quem investigue se estatisticamente se sustenta a hipótese de redução de visibilidade dos incêndios na RTP (comparando com as restantes TV e com o comportamento seguido pelos canais nos últimos anos).
[Dos comentários:] O que ECT diz é que as notícias foram reduzidas ao mínimo. O gerês estava a arder e até parecia que não acontecia nada. Uma frase chegou para noticiar este facto. A isto chamou censura e de facto a sensação foi essa para quem esteve atento a esse tipo de notícias.
OS MANDARINS: Os mandarins da RTP - esse nefando "serviço público" de televisão - querem pôr em sentido o cronista do Público Eduardo Cintra Torres. Nem nos piores tempos do "barrosismo-santanismo" - em que o referido cronista zurziu metodicamente o desempenho do dito "serviço público" e da respectiva tutela - se foi tão longe. O "país do respeitinho" clama imediatamente por tribunal: não há debate, não há confronto, não há conflito, não há "espaço" público. [...]
No meio disto tudo, paira uma fantástica "entidade reguladora" que, mesmo antes de ouvir o visado, já opinou. Fica esclarecida definitivamente - como se fosse preciso - a "natureza" da "entidade". Luís Marinho, que "dirige" a maravilhosa informação da RTP, já apareceu, em voz, na SIC-Notícias e mais valia ter estado calado. Falta falar o governo que sofreu, realmente, uma grave acusação. Menos que Augusto Santos Silva, não é aceitável.
"Censura!" O gabinete do Primeiro-Ministro não reagiu à brutal acusação do crítico de televisão Eduardo Cintra Torres [...]
É certo que a acusação, baseada em fontes não identificadas (e portanto insusceptível de ser comprovada) não é muito verosímil, pois, mesmo que tal lhes passasse pela cabeça, não se vê o gabinete de Sócrates a "cair" na tolice de contactar a RTP -- nem a administração nem a direcção de informação são conhecidos como "gente do Governo" -- para "proibir" a cobertura televisiva dos fogos florestais, nem se imagina os visados a acatar a "censura". Todavia, dada a gravidade da acusação, e não sendo o autor da acusação propriamente um inimputável, pode a mesma, se não desmentida, ganhar uma credibilidade que à primeira vista não merece.
É este um ónus da responsabilidade política num Estado democrático: quando um governante é acusado de alguma patifaria, mesmo infundada -- salvo se obviamente imaginária ou malévola --, não é o acusador que tem de provar a dita, mas os acusados que têm de provar (ou pelo menos de protestar) que ela não tem fundamento.
Informação que arde sem se ver: estou em desacordo com o ponto de vista do Eduardo Cintra Torres, pois considero - tal como sucede, aliás, com a imprensa diária e o Público em particular, nas suas opções editoriais nesta matéria, que nada justifica, a não ser o sensacionalismo e o tabloidismo, 'incendiar' os media com os fogos de Verão.
23.08.06
Grande momento de televisão: A coisa vai neste ponto, altura em que o jornalista da SIC tem de pedir moderação ao director de informação da RTP quando este insinua que Cintra não é jornalista coisa nenhuma.
«A carteira do Eduardo é tão válida como a minha e a tua». Marinho pede desculpa.
Mas não explicou como vai descalçar a bota em tribunal: é que Cintra sempre alegou ter escrito um artigo baseado em fontes. Ora, Marinho quer que Cintra diga que fontes são essas que provam que a RTP recebeu ordens do gabinete de Sócrates para moderar as notícias sobre incêndios.
Querem ver que vai ser um canal de televisão a exigir que um jornalista revele as suas fontes? Conhecem lá na RTP aquela história do sigilo?
Enquanto vocês viam o Benfica: Eduardo Cintra Torres relembra que não estão em causa as suas opiniões ou critérios de bom jornalismo, o que está em causa são as contradições de conduta na direcção de informação da RTP, sobretudo no dia 12 de Agosto. Sobre isto Luís Marinho e a RTP continua sem dizer uma palavra, preferindo adiar tudo para o tribunal que um dia qualquer daqui até eu ter netos concerteza decidirá sobre este caso.
Luís Marinho despede-se do programa referindo-se a ECT como "essa pessoa armada em jornalista". Mário Crespo relembra que esses não são termos apropriados para quem tem uma carteira profissional de jornalista válida. Luís Marinho pede desculpa... and I see you in Court.
A tv no seu melhor: Eu, que depois da intervenção de Luís Marinho começava a dar razão a este, tive de me manter ao lado de Torres depois da sua contra-resposta. Acho que foi coerente e consistente. Os seus argumentos parecem-me bem fundamentados, mesmo que as "fontes" o venham a desmentir.
EM QUE FICAMOS? Subscrevo quase tudo [dos textos de João Gonçalves no Portugal dos Pequeninos], da inépcia do PS a lidar com a informação (no que está muito bem acompanhado por todos os partidos dentro e fora do arco parlamentar, acrescento eu) ao artifício das fontes. Como diz, e muito bem, a «abjecção do anonimato» é uma pulsão nacional. Dito isto, gostaria de chamar a atenção para dois pontos: 1. a acusação de Eduardo Cintra Torres é muito grave para ficar no limbo; 2. como lembra João Villalobos num comentário ao primeiro dos textos referidos, «houve um encontro de António Costa com os responsáveis de todos os canais, visando que as imagens fossem reduzidas ao mínimo e com o argumento de que provocariam fenómenos de imitação pelos pirómanos.» A ser assim, não estamos ? Cintra e nós outros ? a falar da mesma coisa. Em que ficamos?
AI SE FOSSE NOUTRO TEMPO... [Se]tivesse acontecido há 2 anos atrás, teriamos certamente um "escândalo" que envolveria o Governo, a RTP e o PR. Alguém se lembra do "Caso Marcelo Rebelo de Sousa"??? Pois é, o que é numa altura algo muito importante é hoje de menos importância. Ou há alguém que dúvida (tirando os militantes do PS) que o Governo não monopoliza certa comunicação social a seu favor??? Vergonhoso...mas serve os interesses do Governo e do PS.
ao menos outro 'boy': Só mesmo em Portugal é que um indíviduo desmerecedor de qualquer qualificação como Luis Marinho ainda é Director da RTP [...]
agora que a tutela, seja na Administração da RTP, seja upstream no Governo, ainda não tenha percebido que um individiuo com as características, e o perfil , ontem evidenciadas à exaustão, por Luis Marinho não tem condições, muito menos credibilidade, para ocupar o cargo que ocupa é que já é mais preocupante.
À falta de incêndios, queime-se o que estiver mais à mão: Feito porta-bandeira deste MST, Movimento dos Sem-Tema, Eduardo Cintra Torres falava apenas e só de um tema muito, muito antigo, tão antigo como a própria RTP, não havia era ninguém que a PIDE/DGS deixasse escrever sobre isso: a instrumentalização (o termo não é meu) da televisão do Estado. As acusações de ECT não são novas. Pelo contrário, são repetidas numa base mais ou menos frequente, a propósito de tudo e de nada, seja qual for o partido ou coligação no Governo e sejam quais forem a Administração e a Direcção de Programas da RTP (algumas já soçobraram, vítimas destes julgamentos sem provas quando é preciso, erm, queimar alguém para que tudo continue igual).
Tudo bem: é um tema com continuidade.
O que realmente enjoa, ao ponto do descrédito, são os sistemáticos abusos destes sem-tema, logo secundados pelo papagaios de repetição que pululam, ávidos de um link, naquilo que foi em tempos um eco-sistema habitável e pujante: a blogosfera.
O Mínimo Denominador Comum: Tanto quanto me disseram (e não vou revelar a fonte, na qual deposito toda a minha confiança) o Governo decidiu entabular conversas com os responsáveis dos principais canais televisivos e teve-as, personificado na figura do Ministro António Costa. A intenção revelada foi a de diminuir o sensacionalismo das imagens dos incêndios no País, diminuindo assim também os fenómenos de imitação e, em consequência, a sua propagação.
O CONDICIONAMENTO POLÍTICO DA INFORMAÇÃO: Veremos, a seu tempo -- espero -- se, de facto, a acusação proferida por Cintra Torres, envolvendo o gabinete do Primeiro-Ministro, tem ou não uma base substantiva.
Independentemente disso -- que não é uma questão menor -- o que Cintra Torres expõe é o condicionamento político da informação na RTP.
LENDO VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS: A crítica de Eduardo Cintra Torres no Público ao tratamento noticioso dos incêndios na RTP assenta em dois "factos" [...]
- um, a existência de ordens, ou instruções oriundas do Gabinete do Primeiro Ministro à direcção editorial da RTP quanto ao tratamento dos fogos [...]
- dois, a minimização dos incêndios nos telejornais, em particular num dia em que graves incêndios ocorriam a Norte [...]
Quanto ao primeiro, Eduardo Cintra Torres terá certamente que ir mais longe no seu esclarecimento, visto que parte de uma situação ambígua entre ser jornalista e dever preservar as suas fontes e emitir um comentário crítico que em principio não é uma notícia. [...]
Sobra o segundo "facto" que aparentemente ninguém quer discutir [...]
A governamentalização da informação da RTP (com este e com todos os governos) tem uma raiz de fundo impossível de corrigir sem a sua privatização: o seu carácter de estação ?pública? torna-a dependente de orientações governamentais quanto à sua cadeia hierárquica de poder interno e financiamento.
Comentários:
1) A blogosfera tal como os media em geral esteve desatenta e não forçou o mediatismo do caso. No dia de publicação do texto e no seguinte, poucos a ele se referiram, tal como sucedeu nos media (sobrou o 24 Horas). O comunicado da RTP parece desencadear as notícias de terça-feira.
2) O texto original de ECT passou a servir como arma de arremesso político (entre o tempo de Santana e Sócrates, a defesa deste, uma RTP pública ou privada, comissários políticos na RTP, ineficácia no combate aos fogos). A elevar algum ao pódio do mais desonesto intelectualmente, o texto de Vital Moreira no Causa Nossa ganha à distância: a sua defesa de Sócrates perante a "brutal acusação" de alguém que não é "inimputável" é a de que ela não pode ser comprovada (desmerecendo o trabalho dos tribunais) e não é verosímil porque o gabinete do PM não cai em tolices de telefonar nem a RTP de acatar. Faltavam realmente estes esclarecimentos.
3) Em termos mediáticos, como o "alvo" era a RTP não se ligou ao que a Lusa andou a fazer: a 22, a agência consegue em 15 parágrafos da notícia "Eduardo Cintra Torres diz que tribunal é bom local para apurar verdade" disponibilizada no seu site nunca apresentar o nome de Sócrates.
4) O texto original de ECT revela o mérito dos alertas do ministro António Costa sobre a cobertura dos media na questão dos incêndios e que aparentemente só a RTP prosseguiu ("A cobertura deste ano dos incêndios teve, no geral, uma evolução muito positiva. A auto-regulação jornalística funcionou", diz). Claro que as imagens não desapareceram: na Sic Notícias serviram, por exemplo, para demonstrar a incúria do Estado (Min. Agricultura) no tratamento das suas florestas e facilitar a aceitação pública de notícias como esta: "Europa investe 100 vezes mais em Agricultura do que em Segurança - Justiça e MAI somados têm menos dinheiro do que a Agricultura
Ataques, ameaças e discursos antiterroristas não comovem a União Europeia. Esta gasta cerca de 100 vezes mais na Agricultura do que na Segurança. O facto de a maior fatia do orçamento - 45,5% - ser para a agricultura contra apenas 0,45% para segurança interna (dados deste ano) é, segundo António Costa, ministro da Administração Interna "um sinal claro da total disfunção entre aquilo que devem ser as prioridades políticas e o que são as prioridades de investimento".
5) Restam duas afirmações factuais do texto de ECT:
a) "as informações de que disponho indicam que o gabinete do primeiro-ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates."
b) "Nenhuma regra de auto-regulação pode explicar o que aconteceu no Telejornal de 12 de Agosto, que serve aqui como exemplo do que tem sido em geral esta nova forma de censura na RTP".
A primeira tem de ser justificada por ECT para manter a sua credibilidade, a segunda pode ser analisada e verificada. Os resultados divulgados publicamente. O resto é folclore.