Ainda a propósito do texto "Mais do Mesmo" de Pacheco Pereira (ver post precedente) sobre a quem passou pela cabeça o problema da concentração e instrumentalização dos orgãos de comunicação social, Arminda Rosa Pereira escreveu o seguinte no Diário Económico de 10 de Novembro de 2000 (anterior portanto ao texto de PP):
"Que (des)vantagens traz a concentração dos media?
As evoluções económicas, políticas e tecnológicas conduzem o mundo para a convergência e Portugal não é excepção. As mais recentes aquisições provam isso mesmo.
A concentração de empresas detentoras de conteúdos com empresas de media tem marcado a actualidade. Os recentes acordos entre a Portugal Telecom e a Lusomundo ou entre a Sonae e Imprensa mostram que a concentração dos media continua na ordem do dia.
A questão só agora se levanta com expressão, mas não é nova. E se, para uns a convergência é natural, outros demonstram-se preocupados.
Ainda terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa recordava no DE: «em 1975, o doutor Pinto Balsemão e eu próprio (...) batemo-nos por medidas contra fenómenos de concentração na imprensa escrita e mais tarde, (...) na comunicação social em geral». Pinto Balsemão viria a seguir um rumo bem diferente.
Um dos principais fiscalistas do país, Lobo Xavier, num congresso sobre este tema, classificou a concentração como «risco político e social do nosso tempo», alertando os órgãos reguladores para que «tivessem atenção à relação entre produtores de conteúdos e os meios para que esta não fosse em exclusividade».
Recentemente, a Alta Autoridade para a Comunicação Social manifestou a sua «disponibilidade para participar na definição de um quadro legal» que «contenha o processo de concentração dentro dos limites socialmente aceitáveis».
Também há os «centristas». João Luís César das Neves, colunista no DN, apontou duas consequências no mesmo congresso. «Uma positiva» que fala do «surgimento da classe jornalística que criou regras deontológicas». Por outro lado, «há o factor negativo». «O jornalista tenta ser neutro, mas nunca o é». Porque «não há jornais claramente de direita, esquerda ou centro». E ironiza dizendo que só conhece uma publicação isenta: «a lista telefónica».
Grupos de Comunicação
«Será a manutenção da integridade editorial dos meios ? que é sagrada ? e a diversidade de produtos que os grupos proporcionarão que ditará o sucesso da associação de empresas», garantiu Franklim Alves, administrador da Lusomundo. Para o responsável, este rumo é «inevitável». «Só assim Portugal ultrapassa o problema de massa crítica que pela pequena dimensão no mercado».
Não concentrados
Para o administrador do Comércio do Porto, Bento de Melo, a associação de empresas tecnológicas proprietárias de meios (como a PT) a empresas de conteúdos (como a Lusomundo) é um passo «inevitável». O administrador compreende ser «complicado para os jornalistas que tudo esteja nas mãos de poucas empresas», mas lembra que há leis que regulam a ntegridade editorial».
Directores e jornalistas
Para José Manuel Fernandes, director do jornal Público (do grupo Sonae) «só a existência de grupos com órgãos de comunicação diferentes permite a diversidade de escolha e optimização de custos».
«Fatal como o destino» diagnosticou Jorge Fiel do semanário Expresso, mas alerta para o facto de serem «pessoas alheias à comunicação social a controlar os grupos».
Sindicato de Jornalistas
Óscar Mascarenhas, presidente do conselho deontológico do sindicato de jornalistas, considera «preocupantes» os últimos sinais. Percebeu que «a organização do trabalho e sacrifício das pessoas concentradas, produziu um lucro fabuloso para quem vendeu a sua parte para uma maior concentração». Mas o que considera mesmo preocupante é a questão da liberdade de escolha.
Sec. de Estado da Com. Social
«O nível de concentração que temos não atinge níveis que ponham em causa o pluralismo e a liberdade da informação», considera Arons de Carvalho. E optimiza dizendo que «a criação de grupos com capital português, que tenham a capacidade de investir na Nova Economia e que ganhem, através de sinergias, a possibilidade de aperfeiçoar os seus conteúdos tem óbvias vantagens».
APAP
Quem também não é nada pessimista é Luís Rosendo, director da APAP (Associação das Agências de Publicidade). A sua maior preocupação é que «a concentração não se reflicta na venda cruzada de espaço em publicidade».
Para Francisco Amaral, presidente da APAN (Associação de Anunciantes), a questão é «não existirem critérios que definam parâmetros aceitáveis para essa concentração»."
[Uma nota de enquadramento: É necessário recordar que o tema da concentração, aproveitamento político e problemas jornalísticos estava em discussão desde o início desse ano de 2000 (ver, por exemplo, "Mais comunicação, menos social"). A compra da Time Warner pela America Online (AOL) - uma empresa da Internet comprava empresas de jornalistas... - ajudava ao debate, até pelo que se publicava lá fora sobre o assunto. Sob o título "Big Media Gets Even Bigger - Should you worry about megacorporate journalism?", a Newsweek escrevia, em Janeiro de 2000: "The real problem isn't a corporate honcho ordering up a synergistic story but self-censorship?reporters and editors who know which side their bread is buttered on and are therefore less aggressive and critical. Or reporters and editors who want to prove their independence and so are overly aggressive and critical. As conglomerates grow, journalism becomes a smaller part of what they do. That means that journalistic values get increasingly subordinated to the business values of the parent company. There is no evidence yet that better journalism results from these combinations."
Por outro lado, falava-se então do interesse da PT na aquisição da TVI. Em Novembro, Eduardo Cintra Torres referia sobre o assunto no Público que "Na hipótese da privatização da RTP1 em caso de governo PSD, o PS quer garantir desde já a influência num canal privado, a TVI, tal como acha que há hegemonia do PSD sobre a SIC".
Finalmente, já então por cá se falava da berlusconização que, em 1999, passava pela potencial candidatura de Pinto Balsemão à Presidência da República. Vicente Jorge Silva escreveu-lhe mesmo uma carta aberta no DN onde declarava: "Você é hoje o patrão do maior império da comunicação social portuguesa, dono do canal de TV com maior audiência e do semanário mais lido e influente, para não citar as inúmeras publicações que tutela. Se se chamasse Silvio Berlusconi, imagino que não teria quaisquer escrúpulos em colocar a sua máquina mediática ao serviço do seu partido e da sua candidatura. Mas você chama-se Francisco Balsemão, o que faz toda a diferença. Ao contrário de Berlusconi você começou por ser jornalista, foi como jornalista que se afirmou publicamente e ajudou a lançar as regras técnicas e deontológicas que hoje regem a profissão entre nós. Além disso, você sabe por experiência própria que não há conflito de interesses mais difícil de gerir do que os que opõem o poder político ao contrapoder dos media. E duvido sinceramente que se repita com a mesma surpreendente felicidade aquilo que se passou quando foi chefe do Governo e o "Expresso" se atrevia a criticá-lo."
Por tudo isto, não é de admirar que mais vozes se preocupassem com estes assuntos. Sócrates é que já não se lembra...