Sim, os contribuintes são obrigados a terem o número de identificação fiscal (NIF) para lidarem com as Finanças e com este e outro tipo de entidades.
Sim, "as contas mensais de serviços como água e eletricidade, cujas faturas são enviadas para o consumidor já com número de contribuinte, estão assim a concurso".
Não, o NIF não pode ser usado para a fatura da sorte porque, segundo a lei da protecção dos dados pessoais, estes devem ser "recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades".
O cidadão é obrigado a ter o NIF para se entender com as Finanças e estas acham que o podem usar para sortear carros? Nunca na inscrição nas Finanças isso é dito ao contribuinte.
O Governo declara às claras que "o sorteio «Fatura da Sorte» tem por finalidade valorizar e premiar a cidadania fiscal dos contribuintes no combate à economia paralela, na prevenção da evasão fiscal e da concorrência desleal, de forma a prosseguir um sistema fiscal mais equitativo".
O que fez a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) perante isto? Clarificou no seu parecer 6/2014 que como os contribuintes já tinham de
entregar as facturas, não se opunha a que lhes fossem entregues "prémios
atribuídos em espécie". Faz espécie? Faz.
Até porque a CNPD se preocupou mais na diminuição do prazo de conservação dos dados do que com o detalhe da finalidade da entrega dos dados.
O Fisco pedia quatro anos, obteve seis meses a partir de cada sorteio. Melhor sorte teve a Fundação Luís Figo, que no registo 23/2014 na CNPD consegue guardar até 10 anos os dados pessoais para licitação em leilões online. 10 anos...
Mas aquilo a que a CNPD não responde no parecer é o seguinte: pode a Autoridade Tributária usar dados com a finalidade de gestão da relação contributiva do cidadão com o Estado para, "com o apoio e colaboração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa" (segundo a Portaria 44-A/2014, que rege o sorteio), permitir que o Governo faça "publicidade encapotada" à Audi em algo que "'não dignifica' o ato tributário"?
Não, agora a sério, a questão é: pode a Autoridade Tributária usar dados do cidadão entregues para a gestão da
sua relação contributiva com o Estado para este os usar num concurso a que o cidadão se tem de opor para não ter os seus dados pessoais sorteados em fatura?