15 novembro 2007

Passo a passo

Este blogue não prossegue actividades de comunicação social, não disponibiliza regularmente ao público conteúdos submetidos a tratamento editorial nem está organizado como um todo coerente
Este aviso com a hiperligação para o Estatuto da ERC constou neste blogue durante meses, desde que o mesmo foi aprovado e, na altura, se gerou alguma polémica sobre a potencial vigilância da ERC aos blogues.

Perguntava-se se partes desse estatuto eram "para os blogues ou para a confusão?" Que não, que não... Olha que sim, olha que sim...

A recente deliberação da ERC sobre o site da Câmara Municipal do Porto mostra a vontade da mesma alargar as suas competências, criando jurisprudência que a tornam vigilante do que se escreve ou emite.

Exagero, mais uma vez?

A deliberação começa por considerar (pág.s 8 e 9) que "Em termos subjectivos, o âmbito de intervenção da ERC está definido no art.º 6.º, EstERC. Ali se diz que “[e]stão sujeitas à supervisão e intervenção do conselho regulador todas as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam actividades de comunicação social”.

Explica depois que "Para o objecto da presente participação interessam-nos as alíneas b) e e) do referido art.º 6.º, EstERC, segundo as quais estão sujeitas à supervisão e intervenção do conselho regulador da ERC:
a) as pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem;
e) as pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.
"

Lembra ainda a ERC - numa definição que pode integrar os blogues como publicações periódicas: "De facto, são publicações “todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado”, excluindo “boletins de empresa, relatórios, estatísticas, listagens, catálogos, mapas, desdobráveis publicitários, cartazes, folhas volantes, programas, anúncios, avisos, impressos oficiais e os correntemente utilizados nas relações sociais e comerciais” (cf. art.º 9.º, n.ºs 1 e 2, Lei de Imprensa, Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, doravante LI). Ademais, conforme o art.º 11.º, n.º 1, LI, são periódicas “as publicações editadas em série contínua, sem limite definido de duração, sob o mesmo título e abrangendo períodos determinados de tempo” (...)"

Na página 15 do documento, outra pérola que interessa aos blogues: "Assim, independentemente do tipo de conteúdos – jornalísticos ou de outra natureza – pode definir-se tratamento editorial como o processo ou conjunto de actividades envolvidas na selecção, transformação e apresentação de uma matéria-prima informativa (normalmente, um acontecimento), com vista à sua divulgação pública através de um suporte mediático. A montante, o tratamento editorial pressupõe o planeamento da edição/programação de acordo com a linha e os critérios editoriais orientadores do produto informativo. Com efeito, a filosofia e os objectivos editoriais (plasmados em documentos como, no caso das empresas jornalísticas, os estatutos editoriais) condicionam e influenciam decisivamente todo o processo de tratamento editorial".

Finalmente (pág.s 28 e 29), "Faça-se notar, ainda, que os conteúdos divulgados no site da CMP, apesar de não assumirem carácter jornalístico, não se lhes aplicando, assim, os normativos legais e deontológicos do jornalismo, estão sujeitos no entanto à observância do direito de resposta e ao respeito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.", embora "Quanto ao regime jurídico a aplicar quanto aos pressupostos e condições de exercício de um direito de resposta, só o caso concreto determinará qual o corpo normativo analogicamente aplicável. De facto, a multiplicidade de conteúdos passíveis de divulgação na internet poderá determinar a aplicação da Lei de Imprensa [Artigo 24.º e seguintes, link meu], Lei da Rádio ou Lei da Televisão, com as necessárias adaptações, consoante se tratem de conteúdos escritos, áudio ou audiovisuais."

Perante estas incongruências numa deliberação, o que pensar? Mas há mais.

O Gabriel já chamou a atenção para quem vigia a ERC, o João Paulo Meneses questiona-se sobre como irá a Entidade promover o direito de resposta em blogues anónimos.

Neste último caso, o problema é alargado caso a ERC venha a intervir efectivamente nos blogues. O texto ao abrigo do direito de resposta deve ser entregue "através de procedimento que comprove a sua recepção". Ora como é que a ERC poderá validar que o queixoso invocou esse direito sem provas da recepção? Pede à entidade gestora da plataforma de blogues para saber se foi eliminado algum comentário ou, nos blogues que os não tenham, tenta validar se algum email foi enviado e recebido e deitado para o lixo? Desejos de bom e muito trabalho...